Genocídio ruandês ainda levanta questões sobre como o ensinar às novas gerações

Início do massacre de 800 mil tutsis em 100 dias no Ruanda faz 30 anos neste domingo.

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Memorial de homenagem às vítimas do genocídio do Ruanda em Kigali EPA/DAI KUROKAWA
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O genocídio no Ruanda em 1994 é ainda hoje um tema delicado no país, e como o ensinar às novas gerações, em salas de aulas onde estão filhos de sobreviventes e de agressores, é um dos desafios.

Num artigo no The Africa Report, Nicholas Michel escreveu sobre o ensino de “uma história partilhada, mas que separa as pessoas”, depois de ter ouvido Claver Irakoze, um sobrevivente, hoje activista pela educação para a paz, cantor, compositor e autor de livros sobre genocídio, e uma responsável do Centro Iriba para o Património Multimédia em Kigali.

Segundo os testemunhos recolhidos por Nicholas, o Ruanda está num processo em que tenta contextualizar o sucedido há 30 anos, sem “estigmatizar”.

Quando se tenta ensinar a história do genocídio, é preciso ter sensibilidade e compreender que nas escolas estão alunos que são “filhos de sobreviventes e filhos de agressores”, como referiu o autor do artigo.

De um ponto de vista historiográfico, os historiadores têm a vantagem do tempo para explicar o genocídio, pois “podem recuar, consultar arquivos, comparar relatos de testemunhas oculares, reunir números e decifrar a sequência das decisões políticas”, notou.

No entanto, “se uma sociedade quer sobreviver e seguir em frente, não tem essa margem de manobra: tem de actuar rapidamente para reconstruir uma forma de viver em conjunto. Assim, a educação é, sem dúvida, o meio mais eficaz, se não o único, de reconstruir uma base sólida”, concluiu.

Para Claver Irakoze, autor dos livros Essa criança sou eu (2019) e Transmissão de memórias no Ruanda: De um pai sobrevivente para a geração seguinte (2023), “dar o testemunho é um dever”.

O sobrevivente considerou que o ensino sobre o genocídio nas escolas ruandesas “há muito que carece de estrutura, com os alunos a terem de se contentar com visitas ocasionais a locais de memória”.

Todavia, explicou que, desde 2016, as coisas têm vindo a melhorar.

“O currículo é hoje melhor, sendo o conceito de genocídio introduzido no quinto ano da escola primária, em sentido lato, sem especificar a que genocídio se refere. No sexto ano, é mencionado o genocídio contra os tutsis, que continua no ensino secundário com trabalhos práticos de investigação específicos, para determinar que lições podemos retirar deste passado”, afirmou.

Outro aspecto que foi salientado nas entrevistas é o papel dos professores no ensino do tema, de forma isenta, com “pensamento crítico”.

Apesar de os actuais professores do país poderem ser “oriundos de ambos os lados da História”, estão a lutar “para se reconciliarem com a sua identidade”, referiu a co-fundadora e directora do Centro Iriba para o Património Multimédia em Kigali, Assumpta Mugiraneza.

Mugiraneza explicou que, nos anos 1990, os professores começaram a manifestar insatisfação com a sua qualidade de vida e começaram a disseminar esta revolta nos seus alunos, ensinando-lhes, por exemplo, que existiam três raças e que os tutsis tinham sido os últimos a chegar.

De acordo com Irakoze, o Conselho de Educação Básica do Ruanda “está a investir consideravelmente na formação profissional dos professores para os ajudar a ultrapassar estas barreiras históricas e a tornarem-se educadores íntegros que utilizam o pensamento crítico”.

O genocídio do Ruanda ocorreu entre o dia 7 de Abril e meados de Julho de 1994, período durante o qual a maioria hutu, liderada por extremistas, levou a cabo um massacre contra a minoria étnica tutsi e os hutus moderados, resultando em cerca de 800 mil mortos.

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