Logótipo: o populismo do gosto ou o gosto pelo populismo?

Desde o anúncio da decisão de Luís Montenegro de voltar à anterior “identidade visual” do Governo de Portugal, que ando à procura de possíveis razões para tal decisão.

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O design é, para a maioria dos portugueses, de somenos importância, mas, como qualquer insignificância, serve para falarmos de assuntos que realmente importam.

Desde o anúncio da decisão de Luís Montenegro de voltar à anterior “identidade visual” do Governo de Portugal, que ando à procura de possíveis razões para tal decisão. Da minha parte, consigo pensar em duas que, no entanto, não parecem fazer sentido no contexto de mudança, independência e futuro que a AD preconiza — uma relacionada com o gosto, a outra com o populismo.

Comecemos pela primeira. Se a volatilidade do gosto influenciou a decisão de Luís Montenegro, indo contra as boas práticas de gestão de qualquer instituição de referência — seja pública ou privada —, isso levanta questões sobre a capacidade de liderança de Montenegro.

Por outro lado, a palavra "inovação" surge 40 vezes no programa eleitoral da AD, enfatizando a sua importância em setores como a economia, a agricultura ou a saúde, onde se afirma ainda que “a educação, a ciência e a cultura são os motores do desenvolvimento humano, da inovação e da competitividade”. A convicção da AD quanto à importância destes valores vai ainda mais longe, ao dedicar uma secção inteira do seu programa à "Inovação, Empreendedorismo e Digitalização".

Não acredito, portanto, que tenha sido a falta de vontade de inovação que levou Montenegro a regressar a um logótipo que mimetiza estilisticamente a bandeira nacional, a qual, por sua vez, deriva de uma solução de design datada, de 1910, interferindo com o seu estatuto e dignidade. Tão-pouco terá sido por falta de eficiência, que isso, como bem sabemos, é vício de governos socialistas, tal como o é o “desprezo pela cultura do mérito, da exigência e do trabalho”.

A excelência e independência deste Governo não justificariam nunca a reversão de uma solução concebida e desenvolvida por especialistas reconhecidos na área, substituindo-a por outra cuja origem é desconhecida e que apresenta sérios problemas de legibilidade, reprodução e animação, especialmente em formatos digitais. Até porque, na mesma secção dedicada à "Inovação, Empreendedorismo e Digitalização”, a AD reconhece como a revolução digital afeta transversalmente o nosso modo de vida, alertando para a grande oportunidade, ou “game changer para o futuro”, para “Portugal transformar a sua economia, incrementando os níveis de produtividade e competitividade e eliminando os tradicionais bloqueios que condicionam a escala e a capacidade de abertura a novos mercados das nossas empresas.” Quero supor que Montenegro partilhe desta visão também para as nossas instituições públicas.

Portanto, não sendo por falta de inovação, liderança estratégica e gestão para a produtividade, passo à segunda possível razão: terá Montenegro cedido ao populismo? Confesso que, examinando as suas propostas governativas e o resiliente “não é não”, também vejo esta hipótese com dificuldade, embora sob este quesito encontremos menos convicções no seu programa de governação. Analisemos.

No ponto 2.1 do Sumário Executivo, a AD diagnostica um país “estagnado e ultrapassado”, que é preciso “educar para o empreendedorismo”, com a ambição de criar uma população qualificada, saudável, solidária, tolerante, com emprego de qualidade e que se regenera”. Mas não só, a AD compromete-se ainda a “lutar contra a xenofobia e a exclusão social” e apostar no “acolhimento humanista” de imigrantes.

Ora, tal Governo não iria ceder às caixas de comentários furiosas vociferando um nacionalismo vazio que reclama a esfera armilar, mas não a globalização; as chagas de Cristo, mas não uma população solidária e tolerante ao outro; os castelos conquistados aos mouros, mas não a multiculturalidade cosmopolita da nossa identidade. Ceder ao populismo reacionário seria de quem não tem visão estratégica para a economia do futuro, de quem não se rege pelas boas práticas de transparência e democracia internacionais, nem tão-pouco de quem se propõe criar “um país sustentável ambiental, social, económica e financeiramente”. Não é, pois, próprio da AD.

De onde concluo: se não foi por gosto, porque isso prejudicaria a inovação necessária à revolução digital que representa um “game changer para o futuro”; nem foi por populismo, porque isso significaria paternalismo e cedências ideológicas que não se coadunam com o espírito deste governo — o que terá levado Montenegro a esta decisão?

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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