Por uma Carta Universal da Autonomia Local

Os membros do Conselho da Europa devem defender a adoção pelas Nações Unidas de uma Carta que proteja os direitos e a autonomia das autoridades locais.

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O Congresso das Autoridades Locais e Regionais da Europa, órgão criado há 30 anos pelo Conselho da Europa, vai ser neste dia 27 de março em Estrasburgo um marco decisivo para a afirmação da democracia no continente europeu.

O Conselho da Europa é a mais antiga organização política da Europa, no qual estão representados todos os países do continente, à exceção da Federação Russa que está suspensa por ter invadido a Ucrânia. O Conselho da Europa é independente da União Europeia, apesar de este congresso se realizar no grande hemiciclo do Parlamento Europeu em Estrasburgo.

O poder local tem provado ao longo das décadas que a sua ação próxima das populações aperfeiçoa, de facto, as políticas de todos os Estados em que este poder é democrático, livre e autónomo. Tendo sido convidado enquanto autarca pelo Conselho da Europa para fazer uma intervenção neste congresso, irei aproveitar a oportunidade para afirmar o potencial das democracias locais para enfrentar – e superar! – os desafios com que se confrontam hoje os regimes democráticos.

O poder local, para além de ter uma capacidade de promover o desenvolvimento muito superior ao de qualquer outro poder no passado – pois constrói a infraestrutura cívica de base – é, também, um extraordinário laboratório para a construção de comunidades mais pacíficas, com uma cultura de respeito pelos direitos humanos e pelas diferenças individuais e coletivas.

Os mecanismos de democracia participativa melhoram a qualidade das políticas públicas. A intervenção dos cidadãos aumenta o seu poder transformador. Os contributos dos funcionários e dos cidadãos tornam os serviços públicos mais eficientes e mais úteis.

As práticas participativas no poder local melhoram toda a gente, individual e coletivamente. No concelho em que sou presidente de câmara, Valongo – o município que preside em Portugal à Rede das Autarquias Participativas – sabemos bem que estes mecanismos melhoram as escolhas políticas e valorizam e qualificam todos os elementos da comunidade.

Esta participação dos cidadãos é um exercício de poder! É o exercício de uma soberania que, de facto, aumenta o poder transformador das políticas públicas em que os cidadãos intervêm. Não são microalterações o que produzem: são mesmo grandes alterações.

Dito isto, é preciso deixar claro que este exercício de soberania por parte do povo não põe em causa a legitimidade democrática que os políticos eleitos recebem através do voto. Pelo contrário, os políticos têm de manter a sua autoridade democrática intacta! Devem é reforçá-la incluindo os contributos dos cidadãos que melhoram as suas decisões executivas.

Os governos das cidades e das regiões da Europa onde vigora a democracia e se cultivam as liberdades, cumprem essa função: através de políticas de proximidade, e de práticas de democracia representativa, qualificam os respetivos territórios e sociedades!

A democracia representativa e a democracia participativa são como duas irmãs gémeas: crescem uma com a outra, aprendem uma com a outra. Mas também sofrem uma com a outra! Se uma é atacada, a outra também fica fragilizada.

A Carta Europeia da Autonomia Local tem-se mostrado um instrumento fundamental para o desenvolvimento e a coesão e, também, para promover a participação cívica e empoderar as comunidades locais. Por isso mesmo, irei defender na minha intervenção em Estrasburgo que, tendo esta autonomia produzido efeitos tão relevantes, os membros do Conselho da Europa deviam defender a adoção pelas Nações Unidas de uma Carta Universal da Autonomia Local.

Esta forma de comprometer todos os países do mundo com a proteção dos direitos das autoridades locais, e com a sua autonomia, será um bom serviço prestado à democracia e à causa do desenvolvimento social e humano.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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