Substâncias psicoativas nas águas? Existem e são um risco para todos

Alguns estudos têm sugerido uma associação entre exposição a substâncias psicoativas e certas doenças neurológicas, inclusivamente quando essa exposição ocorre nas primeiras fases de desenvolvimento.

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Lisboa, Porto e Almada apresentam elevados vestígios de uso de drogas, como cocaína, MDMA, cetamina e canábis nas águas residuais, leu-se por estes dias nas notícias. Estes dados, divulgados pelo Observatório Europeu das Drogas, são de um estudo realizado em 104 cidades na Europa e Turquia e indica-nos muito mais do que um potencial aumento no consumo destas substâncias. Ele é também um importante alerta para os riscos escondidos nas nossas águas.

Se é verdade que, nas quantidades em que estão nos sistemas aquáticos, as substâncias psicoativas (que incluem as drogas de abuso e outros fármacos, nomeadamente antidepressivos) não costumam causar mortalidade, elas têm efeitos potencialmente devastadores para os animais que ali habitam. Interferem no desenvolvimento normal de diversos organismos aquáticos – como alterações no desenvolvimento embrionário de peixes e em fases críticas do desenvolvimento de microcrustáceos. Isso pode levar ao aumento de malformações, perturbações na reprodução e mudanças morfofisiológicas que, a longo prazo, resultam na diminuição dessas populações.

Outro dos principais impactos são as alterações no comportamento. Essas substâncias são desenhadas para atuar no sistema nervoso, interferindo ou alterando o seu funcionamento normal. Modificam assim o comportamento dos organismos aquáticos, tornando-os letárgicos (sem resposta a estímulos externos ou predadores) ou, pelo contrário, agressivos, inclusive com os da sua própria espécie. Essas situações contribuem para a redução da população, afetando consequentemente os ecossistemas aquáticos.

A presença nos ambientes naturais destas substâncias psicoativas, e de outros contaminantes (como fármacos, hormonas), resultam de descargas ilegais que infelizmente ainda hoje ocorrem, assim como das descargas de ETAR (estações de tratamento de águas residuais) que, apesar de todo o investimento em soluções tecnológicas que vieram melhorar a qualidade geral das águas, ainda não são capazes de eliminar na totalidade os resíduos. Por isso, embora em concentrações baixas, centenas de compostos são descartados para os sistemas aquáticos juntamente com os efluentes.

Acresce que são ainda vários os contaminantes ambientais que não são pesquisados nas águas que bebemos, mas que hoje sabemos estarem lá presentes. E todos os anos relatórios das autoridades internacionais atentas ao fenómeno da droga identificam quase meia centena de novas substâncias psicoativas, cujos efeitos para a saúde de todos – humanos incluídos – são muitíssimo negativos. Em 2021, por exemplo, na fase preliminar de uma investigação a águas retiradas da superfície do Douro e dos seus efluentes, que continuamos a desenvolver no Instituto Universitário de Ciências da Saúde, através da unidade 1H-TOXRUN, identificámos pela primeira vez a presença da catinona e de outros derivados de anfetaminas.

Ora, a presença dessas substâncias psicoativas em águas superficiais, muitas vezes utilizadas para a produção de água destinada ao consumo humano, é uma preocupação. Alguns estudos têm sugerido, por exemplo, uma possível associação entre exposição a substâncias psicoativas e certas doenças neurológicas inclusivamente quando essa exposição ocorre nas primeiras fases de desenvolvimento. Este ciclo representa, portanto, um risco para todos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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