Perfil de risco das famílias com crédito melhorou mesmo com subida dos juros

Em 2023, mais de 60% das famílias com novos créditos à habitação tinham um perfil de “baixo risco”. Em 2022, só 49% estava nessa categoria.

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Mário Centeno, governador do Banco de Portugal LUSA/ANTÓNIO COTRIM
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O perfil de risco dos particulares que contraíram novos créditos em 2023 voltou a melhorar, prolongando uma tendência que já se verifica desde 2018, altura em que o Banco de Portugal impôs uma recomendação macroprudencial para travar a concessão de crédito de risco elevado.

Este movimento verificou-se, apesar do contexto de subida das taxas de juro, e, aliás, ficou mesmo a dever-se, em parte, precisamente a esse fenómeno: por um lado, com o encarecimento do crédito, as famílias contraíram empréstimos de menor valor, o que fez baixar o peso do crédito sobre o rendimento disponível; por outro, a subida dos juros levou o regulador a aliviar as regras relativas à taxa de esforço dos particulares, o que também conduziu a uma melhoria deste indicador.

Esta é a conclusão do BdP, no âmbito do mais recente relatório de acompanhamento da recomendação macroprudencial sobre novos créditos a consumidores. Criada em 2018, numa altura em que a concessão de crédito à habitação estava a aumentar a ritmo acelerado, esta recomendação visava travar a concessão de crédito de risco elevado, evitando a criação de riscos sistémicos no sector financeiro.

Com esse objectivo, a recomendação impôs uma série de regras para a concessão de novo crédito, com limites em vários indicadores. Entre outras regras, e olhando apenas para o crédito à habitação, os novos empréstimos passaram a ter um limite de loan-to-value (LTV, o rácio entre o montante dos empréstimos e o valor dos imóveis) de 90%, um limite de debt service-to-income ratio (DSTI, o rácio entre o montante total das prestações do crédito e o rendimento mensal líquido das famílias) de 50% e um prazo máximo dos empréstimos de 40 anos para clientes com até 30 anos.

E, de acordo com os vários relatórios de acompanhamento que foram sendo publicados desde então pelo BdP, a medida tem sido eficaz na meta de reduzir o risco associado aos créditos contraídos pelas famílias, com melhorias dos indicadores todos os anos. O mesmo voltou a acontecer em 2023: nesse ano, a quase totalidade das novas operações de crédito à habitação registou um rácio LTV igual ou inferior a 90% (só 0,2% das operações registaram um rácio superior a esse) e cerca de 68% das novas operações de crédito à habitação apresentaram um rácio LTV inferior a 80% (um aumento significativo em relação à proporção que se verificava em 2022, quando 54% dos novos empréstimos tinham um rácio inferior a 80%).

Essa melhoria verificou-se, apesar da subida das taxas de juro, que encareceu os empréstimos e fez aumentar significativamente o valor das prestações mensais suportadas pelas famílias. Contudo, justifica o BdP, foi precisamente esse contexto que também contribuiu para a melhoria desta indicador. “Este aumento [da proporção de novos créditos com um rácio LTV inferior a 80%] reflecte a aplicação de condições de crédito mais restritivas devido a taxas de juro mais elevadas, que podem levar a uma redução dos montantes de crédito que os mutuários contratualizam”, pode ler-se no relatório agora divulgado.

Também no stock de crédito à habitação, isto é, considerando o conjunto de todos os empréstimos e não apenas as novas operações, se regista uma melhoria: em 2023, cerca de 95% dos créditos à habitação tinham um rácio LTV inferior a 80%, quando essa proporção era de 93% em 2022. Os reembolsos antecipados que se verificaram ao longo do ano passado também contribuíram para esta melhoria, indica o BdP.

Ao mesmo tempo, as regras relativas ao rácio DSTI continuaram a ser largamente cumpridas, ainda que com algum agravamento em relação a 2022. No ano passado, cerca de 91% dos novos contratos de crédito à habitação e ao consumo foram concedidos a clientes com um rácio DSTI igual ou inferior a 50%. Por outro lado, a proporção de novos créditos com este rácio entre os 50% e 60% ou acima dos 60% aumentou ligeiramente, reflexo da subida das taxas de juro. Esses aumentos estão dentro, todavia, das excepções previstas na recomendação macroprudencial, que permite que 15% do volume de crédito ultrapasse esses limites.

Ainda assim, este cumprimento dos rácios DSTI só foi possível graças à revisão que, no ano passado, o BdP fez à recomendação macroprudencial, aliviando as regras. Antes desta revisão, recorde-se, a recomendação obrigava a que, nos novos empréstimos a taxa variável ou mista, se somassem mais três pontos percentuais à taxa contratada e que, com esse choque extra, o rácio DSTI se mantivesse abaixo de 50%, de forma a testar a capacidade dos clientes de suportarem um encarecimento do crédito. No ano passado, de forma a acomodar o efeito da subida das taxas de juro, o BdP decidiu cortar para metade a taxa de stress aplicada aos novos créditos com taxa variável (ou seja, passou a somar-se apenas 1,5 pontos percentuais).

Para além disso, o rácio DSTI efectivo médio (que exclui a simulação da taxa de stress) dos novos créditos a particulares voltou a aumentar em 2023, para 26,6%, acima da taxa de 25% que já se verificava em 2022. Esse aumento “é justificado, em larga medida, pelo contexto de taxas de juro elevadas, dada a dominância do crédito à habitação a taxa variável em Portugal”, refere o BdP. Isto, apesar de, em 2023, 71% do novo crédito à habitação ter sido contratado com taxa mista, muito acima da proporção de 10% que se verificava em 2022.

Não obstante estas ressalvas, o BdP destaca que se observa “uma melhoria do perfil de risco dos mutuários que contratam crédito à habitação” desde 2018. Ao todo, no ano passado, 61% dos clientes de novos créditos eram considerados como tendo “risco baixo” (ou seja, com rácio DSTI até 50% e rácio LTV até 80%), uma proporção muito acima dos 49% verificados em 2022 e dos 43% que se observavam no terceiro trimestre de 2018, quando estes dados começaram a ser recolhidos. Outros 36% dos clientes tinham risco intermédioe só 3% tinham risco elevado (rácio DSTI superior a 60% e/ou rácio LTV superior a 90%). Em 2018, quase um terço dos clientes eram considerados como tendo risco elevado.

Esta melhoria fica a dever-se, sobretudo, à redução dos rácios LTV, já que o peso do crédito sobre os rendimentos disponíveis manteve-se inalterado face a 2022, justifica o BdP.

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