Já pensaram em comer répteis? A criação de cobras pitão pode garantir uma fonte de proteína bem mais sustentável do que a que oferecem hoje a avicultura e a pecuária bovina, defende um estudo recente publicado na revista científica Scientific Reports.

A ideia pode ser repugnante para o paladar europeu, mas faz sentido se ouvirmos os argumentos dos cientistas que a propuseram. Eu própria, que tenho medo de animais que rastejam, fiquei fascinada com o facto de uma só proposta conseguir tocar em diferentes desafios do sistema alimentar global.

"Vivemos num mundo que está a enfrentar inúmeros desafios [climáticos]. Está na hora de começarmos a ter esta conversa sobre como será a alimentação do futuro em áreas muito quentes e onde a água escasseia. Há decisões radicais que vamos ter de tomar, e talvez tenhamos de incluir répteis na lista de animais que comemos", explicou-me o co-autor Patrick Aust, herpetólogo da organização People for Wildlife, no Botswana.

À medida que as temperaturas planetárias sobem, o ciclo global da água desequilibra-se cada vez mais. As viagens nas "montanhas russas" climáticas, oscilando entre secas e cheias, tornam-se comuns. Como se já não bastasse, o El Niño pode adicionar mais uma camada de complexidade ao problema. No Zimbabwe, por exemplo, este fenómeno natural agravou a seca e o quadro de insegurança alimentar. Como vamos produzir comida para oito mil milhões de pessoas num mundo cada vez mais quente?

A dieta global está muito dependente de alimentos cuja produção consome demasiada água, ocupa e exaure demasiadas terras, emite demasiado metano e carbono para atmosfera e, por fim, degrada e polui demasiados ecossistemas. Só as 940 milhões de vacas que existem no mundo produzem quase 10% de todas as emissões de gases com efeito de estufa (sim, estamos a falar de arrotos e excrementos).

Nessas contas não estão incluídas a desflorestação e o uso de recursos agrícolas associados à produção de ração animal, nem a criação de suínos e aves para consumo humano. É demasiado. E é difícil propor soluções porque o sistema alimentar global tornou-se uma máquina extremamente complexa, concentrada e lucrativa – e, por falta de alternativa imediata, necessária para a sobrevivência de muitos.

Ao insistirmos em monoculturas, ficámos cada vez mais repetitivos. Cultivamos um número muito reduzido de espécies vegetais para alimentar não só humanos, mas também uma variedade igualmente limitada de animais no sector agro-pecuário. Estima-se que 57% das calorias e 61% das proteínas produzidas pelos agricultores provenham de apenas quatro plantas: o arroz, o milho, a soja e o trigo. É preciso diversificar, identificando alternativas mais sustentáveis.

O que Patrick Aust e outros cientistas propõem é que a cobra pitão seja considerada uma opção em países assolados por secas severas, onde o calor é tão torrencial que só seria possível arar a terra num tractor com ar condicionado. A taxa de erosão de um solo ressequido pode aumentar até 6000 vezes, o que, na prática, significa transformar chão fértil em deserto. Nessas condições, o gado morre e a população passa fome. 

As cobras pitão crescem muito rápido, podendo garantir uma quantidade maior de proteína exigindo menos água, comida e cuidados. São animais de sangue frio (ectotérmicos), ou seja, não gastam energia para se manterem quentes. Comem roedores selvagens e pedaços de animais, o que significa um impacto menor no uso do solo. Também são capazes de sobreviver meses sem alimentos, resistindo a períodos de seca sem deixar as famílias que as criam destituídas de meios de subsistência. E, no que toca ao sabor da carne, quem já provou diz que tem um gosto neutro, lembrando o do frango.

"Esta proposta não é uma solução para todas as nossas necessidades proteicas e, é certo, não vai funcionar em todo o mundo. Mas pode dar certo em algumas partes, sobretudo nas zonas tropicais, onde o consumo de répteis não é uma novidade histórica", esclarece Patrick Aust, que diz ser importante repensarmos o sistema alimentar global com a "mente aberta". Em vez de convencer as pessoas a comer carne de cobra, o que este cientista quer é pôr-nos a pensar em soluções alimentares num mundo inóspito. E esta reflexão é urgente, gostemos ou não da ideia de comer répteis.