Cérebro e tecnologia: avanços nas interfaces neuronais

Os dados são analisados e é dado feedback em forma de áudio, vídeo ou ambos. A hipótese é que o cérebro se sincronize para manter este novo padrão de funcionamento cerebral.

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E se lhe dissessem que podia usar um capacete sofisticado para ter experiências religiosas? Parece ficção, mas foi o que um neurocientista canadiano, Michael A. Persinger, alegou, ao desenvolver o "capacete de Deus", também conhecido como capacete Koren, na década de 1980. O capacete é equipado com solenóides que produzem campos magnéticos fracos direcionados para a zona do lobo temporal do cérebro, com o objetivo de induzir experiências místicas ou religiosas nas pessoas. A fiabilidade e eficácia do capacete foram questionadas e estudos mais detalhados não demonstraram nenhum efeito significativo do aparelho. Mas temos muitos exemplos nos quais uma tecnologia semelhante está a ser testada e utilizada com resultados promissores.

As interfaces neuronais, também conhecidas como interfaces cérebro-computador (BCIs, do inglês) ou mais recentemente BMIs (interface cérebro-máquina), denominam um conjunto de tecnologias ou equipamentos que permitem estabelecer uma comunicação direta entre o cérebro humano e dispositivos eletrónicos. Este tipo de interação entre a mente humana e a tecnologia tem um potencial enorme, com implicações significativas para a medicina e para a investigação científica.

A primeira demonstração de uma interface cérebro-computador foi feita nos anos 1970 por Eberhard Fetz, neurofisiologista da Universidade de Washington. Fetz demonstrou que macacos podem aprender a controlar a atividade de neurónios individuais através do condicionamento, recompensando os animais quando produziam a atividade neural desejada. Outro nome importante foi Jacques Vidal, cientista de computação, que apadrinhou o termo "interface cérebro-computador" em 1973. Vidal propôs o uso de sinais de EEG (eletroencefalografia) para controlar um cursor de computador, demonstrando esse conceito numa série de experiências nas décadas de 1970 e 1980.

Existem vários tipos de BMIs, diferindo na forma como interagem com o cérebro e nos sinais que registam ou estimulam. As BMIs invasivas requerem a implantação de elétrodos diretamente no cérebro, através de cirurgia. Podem registar sinais de neurónios individuais ou grupos de neurónios e também podem ser usadas para estimular células nervosas. Um exemplo notável foi a cirurgia pioneira de Dobelle para criar um olho biónico para pacientes cegos. Jens Naumann, um paciente de Dobelle, recebeu uma cirurgia experimental em Portugal, em 2002, liderada pelo neurocirurgião português João Lobo Antunes. Embora o dispositivo tenha falhado após alguns meses, Naumann continuou a defender o desenvolvimento da tecnologia. O mesmo princípio é usado para estimular o córtex auditivo em pessoas surdas ou controlar próteses para membros amputados.

Um exemplo mais recente e bem-sucedido, é o desenvolvido pelos cientistas e neurocirurgiões Courtine e Bloch na Suíça, que criaram um sistema de implantes sofisticados controlados por software de inteligência artificial. Esses implantes podem estimular a região da medula espinhal, controlando a ativação muscular do tronco e das pernas. Graças a essa nova tecnologia, três pacientes com lesões na medula conseguiram andar novamente fora do laboratório.

Por outro lado, as BMIs não invasivas não requerem cirurgia e geralmente usam técnicas como EEG, magnetoencefalografia (MEG) ou ressonância magnética funcional (fMRI) para registar a atividade cerebral fora do crânio. Embora menos precisas que as BMIs invasivas, são mais seguras e de aplicação mais simples. Uma aplicação importante é o Neurofeedback, onde os indivíduos assistem a um filme ou jogam um jogo enquanto a sua atividade cerebral é registada por EEG quantitativo.

Os dados são analisados e um feedback em tempo real é fornecido ao indivíduo em forma de áudio, vídeo ou ambos. A hipótese é que o cérebro, ao longo do tempo, se sincronize para manter este novo padrão de funcionamento cerebral, melhorando assim o desempenho cognitivo. O Neurofeedback tem sido testado em várias situações patológicas, como no transtorno de défice de atenção e hiperatividade, autismo, ansiedade, depressão, epilepsia e distúrbios do sono, além de ser cada vez mais usado para melhorar o desempenho criativo e a concentração.

O potencial das BMIs é vasto e seu alcance futuro é difícil de prever. À medida que a compreensão do cérebro avança e a tecnologia evolui, será possível desenvolver BMIs que permitam um controlo mais sofisticado de equipamento eletrónico e próteses (ou até mesmo outras pessoas?...). No entanto, é crucial considerar as implicações éticas, incluindo questões de privacidade, consentimento e justiça no acesso, à medida que exploramos os limites da tecnologia, não deixando de analisar os benefícios que esta possa trazer.

Deixo como sugestão os Pink Floyd, com a muito apropriada Welcome to the Machine; para acompanhar a leitura do incontornável O Erro de Descartes, de António Damásio, que desafia a separação tradicional entre mente e corpo, argumentando que as emoções desempenham um papel crucial na tomada de decisões e na formação da consciência humana.

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