Com uma vitória por dois votos, Nuno Matos é o novo líder dos juízes portugueses

Magistrado que venceu eleições para associação sindical reivindica aumentos salariais para a classe.

Foto
Nuno Matos (à esquerda) venceu por dois votos Moreira das Neves (à direita) na corrida à liderança da Associação Sindical dos Juízes Portugueses DR
Ouça este artigo
00:00
04:50

Eleito por uma diferença de dois votos, Nuno Matos é o novo líder da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. O magistrado, que fez toda a carreira no Norte do país mas agora está colocado no Tribunal da Relação de Lisboa, teve 813 juízes a votarem nele, contra os 811 do seu adversário, Moreira das Neves.

Com 53 anos, Nuno Matos reivindica aumentos salariais para a classe, alegando que hoje em dia os juízes são obrigados a passar demasiado tempo nos tribunais de primeira instância antes de serem promovidos.

O facto de o valor do salário médio em Portugal se ficar pelos 1505 euros brutos não o demove das suas pretensões: “E se fôssemos comparar os ordenados dos juízes com os dos altos quadros da administração pública?”, argumenta, explicando que hoje em dia a progressão na judicatura é demasiado lenta. “Dantes passavam-se 18 ou 19 anos na primeira instância, antes de se subir a um Tribunal da Relação. Hoje isso demora 26 a 27 anos”. Daí que o seu programa eleitoral proponha mais diuturnidades e ainda o aumento do pagamento do serviço prestado ao fim-de-semana.

Juntamente com a falta de vocações para a profissão e as condições de funcionamento dos tribunais, a escassez de oficiais de justiça é, para Nuno Matos, um dos principais problemas com que se confronta a classe. O périplo que fez pelo país na sua campanha eleitoral demonstra-o: “Em Cascais, encontrei uma secção do tribunal fechada por falta de funcionários”, relata.

“Urge dar resposta à falta de condições de trabalho nos tribunais, geralmente associadas à falta de manutenção dos edifícios”, refere o seu programa eleitoral, que reivindica salas de audiências compatíveis com a dignidade que implica o exercício de uma função de soberania, como é o caso da aplicação da justiça. Os frequentes bloqueios do sistema informático dos tribunais, com as consequentes paragens no serviço, são outro problema apontado pelo novo líder associativo, para quem se impõe o uso da inteligência artificial como auxiliar do trabalho do juiz.

Ao magistrado não agrada a exposição mediática do seu antecessor no cargo, Manuel Ramos Soares, que governava esta associação desde 2018. Isto apesar de reconhecer que a justiça “tem de saber comunicar” com os cidadãos. Mas com conta, peso e medida, defende. Diz o seu programa eleitoral que a intervenção no espaço mediático deve ser “criteriosa e ponderada, mas presente e plural”, comprometendo-se Nuno Matos a garantir “mecanismos ágeis de contacto” entre os magistrados e os seus representantes associativos que permitam aos juízes responder às interpelações da comunicação social em tempo útil.

A saúde da classe também faz parte das preocupações. O novo presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses quer que quem mostre uma grave incapacidade para o exercício de funções possa jubilar-se antes dos 66 anos, mesmo que não se trate de incapacidade absoluta para o trabalho. Ao contrário da aposentação, a jubilação permite ao magistrado manter o suplemento remuneratório de mais de mil euros que recebe quando está no activo, continuando sujeito aos mesmos deveres dessa condição, nomeadamente o de exclusividade, o que significa que não pode receber rendimentos senão da magistratura.

Já depois da vitória, à Lusa, Nuno Matos lembrou o lema da sua candidatura (“Pela independência, unir e dignificar”) para exemplificar como pretende exercer as novas funções: "Unir uma associação de todos os juízes e para todos os juízes, de todas as jurisdições, porque não é só dos tribunais comuns, é também dos tribunais administrativos e fiscais, e também dos juízes aposentados; dignificar os juízes e a justiça, em tudo o que nisso possa estar incluído, desde a legislação até às condições de trabalho, até aos sistemas informáticos, todas essas questões que têm de ser resolvidas”.

E, a esse propósito, avançou que "a reforma da justiça tem de ser feita ao nível legislativo, mas também olhando para essas questões mais do exercício da função".

A lista de Nuno Matos, desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, promete assumir "uma postura proactiva, propondo às competentes entidades reformas com vista à permanente defesa dos direitos humanos, à vivência num Estado de Direito democrático, à melhoria do sistema judiciário e à garantia de acesso dos cidadãos a uma justiça acessível e pronta".

Mais de 90% dos cerca de 2300 juízes portugueses estão inscritos nesta associação sindical. Apesar de derrotado para a direcção nacional, Moreira das Neves venceu as direcções regionais do Centro e do Sul, cujos cabeças de lista terão agora assento, por inerência, na direcção nacional, composta por nove efectivos.

A estreita margem de vitória de Nuno Matos e a elevada afluência –​ foi a eleição mais concorrida de sempre, e a primeira em que se podia votar por via electrónica – obrigou a uma recontagem de votos que se prolongou pela madrugada deste domingo.

Congratulando-se com a elevada participação no acto eleitoral, o recém-eleito dirigente recorda o lema com que concorreu — unir e dignificar — para garantir que se esforçará por chegar a consensos com a tendência que ficou em segundo lugar, até porque as divergências não são assim tantas.

com Lusa

Notícia actualizada com declarações do vencedor.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários