O energético toque a rebate da indústria europeia

Embora a energia nuclear tenha entrado na discussão política em Portugal, a discussão tem sido superficial e assente no esgrimir de velhos mitos.

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A 20 de Fevereiro, várias empresas e organizações manifestaram total apoio a um pacto industrial europeu para complementar o pacto ecológico e manter empregos de alta qualidade para os trabalhadores europeus.

Na denominada “Declaração de Antuérpia”, a indústria europeia deu voz à sua indignação e expressou-se veementemente a favor da competitividade como objetivo prioritário europeu e de tornar a Europa um fornecedor de energia competitivo a nível mundial com foco nas energias renováveis e nucleares, com baixo teor de carbono. Para atingir a neutralidade climática até 2050, a produção de eletricidade na Europa terá de se multiplicar e os investimentos na indústria terão de ser seis vezes superiores aos da década anterior.

Na declaração conjunta é salientado que os custos da energia na Europa são demasiado elevados para serem competitivos. Os signatários recomendam que a Comissão Europeia dê prioridade a novos projectos de energias renováveis e nucleares abundantes e a preços acessíveis, factor essencial para a competitividade europeia.

Entre os signatários encontram-se as maiores empresas industriais da Europa – por exemplo, BASF, ArcelorMittal, L’Oréal, ThyssenKrupp, Bayer, GlaxoSmithKline, TotalEnergies, Shell, Sanofi, LyondellBasell, Ineos, Air Liquide, representando 7,8 milhões de empregos na Europa e um valor acrescentado de 549 mil milhões de euros para a economia europeia, e empresas portuguesas ou com expressão significativa em Portugal como a Navigator, Bondalti, Divercol e Solvay.

Exigem soberania europeia nas cadeias de abastecimento e pedem uma verdadeira estratégia energética da União Europeia com ações concretas, incluindo também a produção de energia elétrica transfronteiriça, a expansão da rede para o hidrogénio e outras moléculas renováveis e com baixo teor de carbono, e parcerias com países ricos em recursos.

Algumas destas empresas, como a BASF, anunciaram recentemente a intenção de deslocalizar a sua produção da Alemanha para outros países, como os Estados Unidos, onde a energia é mais barata. Siegfried Russwurm, diretor do BDI, a organização da indústria alemã e dos prestadores de serviços relacionados com a indústria, em declarações recentes ao Financial Times realçou o cerne da questão: “[A agenda climática da Alemanha é] mais dogmática do que a de qualquer outro país que conheço.” (O que poderemos de dizer dos países que seguem cegamente a mesma política?)

A decisão do país de eliminar gradualmente a energia nuclear e o carvão e mudar para as energias renováveis está a colocar as empresas da maior economia da Europa em desvantagem em relação às de outras nações industrializadas. Russwurm afirmou que as empresas apoiam a transição ecológica, mas os ministros não explicaram às empresas o que acontece quando o vento não sopra e o sol não brilha”. A incerteza no preço futuro da energia é tóxica para as empresas que têm de tomar decisões de investimento.

Na mesma tónica, Fatih Birol, diretor da Agência Internacional de Energia, afirmou recentemente que o abandono da energia nuclear (na Alemanha) é um erro histórico”, despejando um pesado balde de água fria no pensamento mágico que acompanha a visão das renováveis a todo o custo.

O abandono progressivo da energia nuclear tem um impacto negativo no fornecimento de eletricidade e nas possibilidades de reduzir as emissões. Embora, na realidade, as emissões totais alemãs tenham diminuído, assim como o consumo total de carvão, em resultado da destruição da procura devido a uma desindustrialização acentuada. Com base no índice de produção, estima-se que um quinto do setor industrial energeticamente intensivo desapareceu desde 2015.

Fatih Birol afirmou ainda que as centrais nucleares também deveriam ter sido consideradas como opção em vez da construção de novas centrais eléctricas a gás. As autoridades alemãs rejeitam as críticas, apontando a nova estratégia adoptada para construir e subsidiar novas centrais eléctricas a gás que possam mudar para hidrogénio, para garantir uma capacidade de reserva suficiente para turbinas eólicas ou painéis solares. Ainda nos lembramos de quando o hidrogénio era uma prioridade...

Mas o gás segue as energias renováveis! É essencial para garantir a capacidade de reserva, mesmo que estas centrais sejam construídas com a promessa de virem a queimar (um dia, eventualmente) hidrogénio. O Reino Unido pretende construir novas centrais a gás, até à década de 2030, diluindo assim o compromisso de atingir a neutralidade carbónica da rede em 2035.

Com o encerramento do nuclear e o forte investimento nas energias renováveis, a Alemanha só pode insistir no prolongamento da queima de combustíveis fósseis e em novos investimentos em centrais a gás (reduzido a 10GW de centrais eléctricas a gás em quatro leilões sucessivos) com a promessa de que o hidrogénio substituirá o gás. A redução das metas do hidrogénio não é totalmente surpreendente, uma vez que a IEA também diluiu os objectivos em matéria de hidrogénio, refreando o entusiasmo em torno do hidrogénio de origem renovável. De todos os projectos anunciados para a utilização de energias renováveis na produção de hidrogénio nesta década, prevê-se que apenas 7% da capacidade planeada entre em funcionamento até 2030.

Também a indústria portuguesa deve exigir ao novo governo uma estratégia que assegure a segurança energética e preços competitivos. Em Espanha, várias vozes alertam que a robustez do sistema elétrico pode não estar assegurada, se prosseguir o encerramento de sete reatores nucleares, anunciado pelo governo, prevendo-se um aumento significativo da fatura da eletricidade. Entre elas, José Bogas, CEO da Endesa, ou a presidente da Comissão de Energia do Instituto Espanhol de Engenharia, Yolanda Moratilla. E também em Espanha o gás segue as energias renováveis, não havendo planos para encerrar centrais a gás natural.

Portugal, que em 2023 importou de Espanha 20% da sua eletricidade, no meio do laudatório a seis dias recentes de autossuficiência energética, parece não dar conta destes alertas preocupantes. E embora a energia nuclear tenha entrado na discussão política em Portugal, a discussão tem sido superficial e assente no esgrimir de velhos mitos. Discutir o nuclear como uma das opções para garantir a segurança energética não contamina e pensar uma estratégia energética que considere também esta opção é o mínimo exigível da esquerda à direita.

A revolução verde europeia veste-se com tons de cinzento-escuro e uma fatura preocupante! Os signatários da Declaração de Antuérpia pedem uma verdadeira estratégia energética da União Europeia com acções concretas. O mesmo deve ser exigido ao nosso futuro governo.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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