Há seis anos viúva, Mônica Benício ainda espera saber: “Quem mandou matar Marielle?”

Em conversa com o P3, a activista e vereadora estadual Mônica Benício defende que “não haverá democracia plena no Brasil” enquanto o homicídio de Marielle Franco e Anderson Gomes estiver por explicar.

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Mônica Benício e Marielle Franco, assassinada em 2018, tiveram uma relação de 14 anos Mayara Donaria
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Há dois mil cento e noventa e um dias que Mônica Benício procura respostas sobre o homicídio da sua mulher, vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL. Cumprem-se esta quinta-feira seis anos desde o assassinato de Marielle Franco e do seu motorista, Anderson Gomes, e seis anos de uma pergunta que parece impossível de esclarecer: quem mandou matar Marielle?

“Todo o avanço deve ser celebrado, todas as peças colocadas neste tabuleiro para que a gente entenda o que aconteceu na noite de 14 de Março de 2018, para que eu entenda porque é que naquela noite a minha esposa não chegou para jantar”, diz Mônica Benício em conversa com o P3, em reacção aos novos desenvolvimentos da investigação da Polícia Federal sobre o duplo homicídio. “Mas, passados seis anos, qualquer avanço que não seja a resposta sobre quem mandou matar Marielle é insuficiente. Passou tempo demais.”

No início deste ano, a imprensa brasileira avançou que Ronnie Lessa, acusado da autoria dos disparos, denunciou o ex-deputado estadual Domingos Brazão como mandante da morte de Marielle. Também há duas semanas, foi detido um novo suspeito ligado ao crime: o homem que fez desaparecer o veículo a partir do qual os assassinos dispararam.

Em entrevista ao PÚBLICO em 2018, Mônica Benício, arquitecta, activista, vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL eleita em 2020 e viúva de Marielle Franco, descreveu a execução da sua mulher como “um recado muito claro do Estado” brasileiro: “Não queremos favelados, não queremos mulheres pretas, não queremos LGBT a ocupar espaços de poder.” À data, a Presidência era ocupada por Michel Temer, do Movimento Democrático Brasileiro, que tomou posse após o impeachment de Dilma Rousseff.

“Hoje acho que mais importante do que o recado do assassinato de Marielle, carregado de simbolismos — o corpo que o Brasil vê como descartável, o corpo da mulher negra, favelada, feminista —, e mais perigoso, é a ausência de respostas”, diz ao P3, a partir do Rio de Janeiro. “É uma compreensão da legitimidade da violência do 14 de Março. A mensagem que passa é que no Brasil existe um grupo capaz de assassinar como forma de fazer política, na certeza de impunidade.”

Para a viúva de Marielle, título que reclama de forma reivindicativa, é este o momento de maior esperança sobre um desfecho, idos os anos marcados pela “falta de vontade política” para resolver o caso, e depois de a Polícia Federal ter assumido a vontade de concluir a investigação sobre os mandantes do duplo homicídio “até 14 de Março” deste ano.

Nesta quinta-feira, os cariocas são chamados a lembrar as duas vítimas, junto da Câmara Municipal do Rio, e a gritar mais uma vez: “Marielle, presente!”. “Cobrar justiça por Marielle é também sobre uma reparação de uma violência, que no âmbito pessoal jamais será reparada, mas que no âmbito político significa uma resposta de esperança para a sociedade brasileira e para a comunidade internacional que se solidarizou com o que aconteceu a 14 de Março e que nos tirou de forma tão estúpida, tão violenta e tão brutal Marielle e Anderson.”

No livro autobiográfico Marielle e Mônica: Uma história de amor e luta, que será publicado no Brasil a 22 de Abril, a actual vereadora do Rio conta o antes e o depois daquele dia 14. A última noite com Marielle, com quem namorou 14 anos, era incontornável. Nessa madrugada, acordou sobressaltada por um pesadelo, foi buscar um copo de água, voltou para Marielle. Falaram sobre o pesadelo, beijaram-se. “Fizemos amor até o Sol se levantar”, escreve.

“Acredito que legado não é só o que se deixa, mas o que se leva adiante. A resposta da sociedade [aos assassinatos] foi afirmar que não aceita a violência ou a barbárie como método de fazer política, transformando a imagem de Marielle numa representação de luta, de esperança. E aí não estou falando da minha companheira, a mulher que dormia do meu lado, mas dessa imagem política em que a Marielle se torna, a construção colectiva de uma sociedade que se indignou”, acrescenta Mônica Benício, hoje com 38 anos, a mesma idade com que Marielle foi assassinada.

Na conversa com o P3, assim como em declarações públicas sobre o caso, há uma frase que Mônica vai cravando na pedra. “Não haverá democracia plena no Brasil enquanto o Estado brasileiro não responder: quem mandou matar Marielle? E porquê?”

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