Não dar a liberdade por garantida

Uma criança de galochas vermelhas a brincar num quintal durante a pandemia levou Pedro Seromenho a pensar em quão frágil é a liberdade.

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“As minhas galochas são da cor da melancia fresca, que adoro comer no Verão! Recordam-me as cerejas que provo na Primavera” Rachel Caiano
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“Outras vezes, são como duas joaninhas sem pintas, que me fazem voar!” Rachel Caiano
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“Em cada entardecer, assemelham-se à cor do sol que se espreguiça sobre o mar” Rachel Caiano
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“Também são da cor do amor, porque se apaixonam por todos os bichinhos que encontram” Rachel Caiano
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A fotografia que motivou a escrita deste livro Pedro Seromenho
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Capa do livro As Galochas Vermelhas, editado pela Paleta de Letras Rachel Caiano
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Um momento feliz que levou a uma fotografia que levou a um texto que levou a um livro. Era tempo de confinamento. “Estávamos fechados em casa, tentando sobreviver a uma nova realidade inesperada e repleta de imprevisibilidades. Foi então que vi a minha filha, Mia Flor, a correr no quintal dos meus sogros com umas galochas vermelhas. Brincava e fugia de um galo que lhe queria bicar os calcanhares”, conta Pedro Seromenho ao PÚBLICO.

Resolveu registar aquele momento numa fotografia: “Achei-a tão poderosa… a foto de uma criança que estava a usar aquele pequeno quintal para ser livre e feliz, numa altura em que as crianças não podiam sair, brincar, correr, crescer, enfim, serem crianças.”

Aquele momento “mexeu” com o autor e pô-lo a pensar “o quão a liberdade é frágil e efémera”, pelo que “jamais poderá ser tomada por adquirida, a qualquer momento poderá fugir, escapulir entre os dedos e deixar-nos novamente aprisionados, pequenos e limitados”.

Quando regressou a casa escreveu o texto que agora se transformou em livro, com a ajuda do talento de Rachel Caiano. “Naquele mesmo dia transformei estas galochas numa personificação, num hino à liberdade. Foi uma sensação muito agradável, mas no final acabei por não publicar o texto por achar que não era o momento certo”, descreve o também ilustrador e editor.

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“Elas também são da cor dos cravos que as pessoas crescidas põem nas lapelas dos casacos e nas pontas das espingardas enquanto gritam: liberdade” Rachel Caiano

Nunca quis escrever sobre a covid, “gosto de escrever sobre coisas mais positivas, como superação ou libertação”. O texto acabaria por ficar “confinado” numa gaveta. “Até que a Rachel Caiano, com a beleza da sua ilustração, libertou as minhas palavras através destas cores, deste traço imprevisível, destas aguarelas que nos deixam sem limites. É algo bonito, porque é uma imagem que se perde, que se esbate, quase incontrolável”, descreve.

Também pensou em quão livre a ilustradora se sentiria ao fazer este trabalho. “Nesse sentido, até o formato do livro foi propositado. Um livro grande com espaço para ela ilustrar e colorir com toda a sua arte e talento, manchas de cor e sem linhas ou limites. Fiquei muito contente com a conjugação e o resultado final.”

“Há sempre perigo à espreita de um novo fascismo”

A história começa assim: “Estas galochas já foram da minha mãe. Ela viajou tanto, que os seus pés cresceram e já não cabem lá dentro. Mas os meus ainda são muito pequenos. Vou calçá-las para correr, brincar, viajar e aprender!”

Pedro Seromenho considera que este livro é um “objecto poderoso, que fala da liberdade”. Aqui se conta, de forma poética, a história de uma menina que tem umas galochas e que vão sendo passadas de geração em geração.

“É importante passar, de geração em geração, esta mensagem que também está relacionada com os 50 anos do 25 de Abril. Muitos jovens vão-se esquecendo porque não o viveram, não o sentiram na pele e, por isso, há sempre perigo à espreita de um novo fascismo, de um novo ‘estado novo’. É por isso que é tão importante salientar e recordar os mais jovens através do livro e da literatura”, acredita o autor, que organiza vários encontros literários e de ilustração, entre eles, o Braga em Risco.

Com As Galochas Vermelhas, o autor também tem o propósito de “brincar com as cores, principalmente com o vermelho”. Explicação: “Por vezes, os mais pequeninos têm aversão ao vermelho, porque conotam com o sangue. Então, brinquei com a cor das melancias, das romãs, da lava, do ocaso no horizonte e, claro está, do amor e dos cravos vermelhos que as pessoas crescidas colocam na lapela dos casacos quando gritam: liberdade!”

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“Estas galochas já foram da minha mãe. Ela viajou tanto, que os seus pés cresceram e já não cabem lá dentro. Mas os meus ainda são muito pequenos” Rachel Caiano

O livro será lançado neste sábado, dia 16, às 16h30, na Biblioteca Municipal de Gavião, depois da inauguração no mesmo local da exposição de originais das ilustrações, com a presença de Pedro Seromenho e Rachel Caiano. Às 17h30, haverá uma oficina de ilustração, orientada pela artista plástica. Este programa insere-se no encontro Liga-te Literatura e Ilustração de Gavião, que decorre até dia 19 de Março.

As Galochas Vermelhas é um livro-álbum de grande formato, muito bonito e resistente. Como gostaríamos que a liberdade fosse.

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