Onda de violência sem precedentes força demissão do primeiro-ministro do Haiti

Países das Caraíbas e EUA negoceiam envio de uma força internacional apoiada pelas Nações Unidas que deverá ajudar um conselho presidencial interino a restaurar a ordem até se organizarem eleições.

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Ariel Henry no discurso em que anunciou aos haitianos que deixará o poder Reuters/Prime Minister of the Republic of Haiti
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Sob a ameaça de “guerra civil” e “genocídio”, e sem conseguir regressar ao seu país, o primeiro-ministro Ariel Henry anunciou a demissão exigida pelos gangs que nas últimas semanas tinham tomado de assalto o Haiti. A renúncia do chefe de Governo não-eleito foi anunciada pelo presidente interino da Comunidade das Caraíbas e chefe de Estado da Guiana, Irfaan Ali, no final de uma reunião de emergência sobre o caos haitiano, e depois confirmada por Henry, a partir de Porto Rico, onde se encontra.

Antes da declaração de Henry, já o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, defendera a formação de um conselho “presidencial independente e de base ampla” encarregado de responder às “necessidades imediatas” da população. Blinken, que participou na cimeira da Caricom, segunda-feira, na Jamaica, prometeu que os Estados Unidos contribuirão com 100 milhões de dólares (91 milhões de euros) para uma força apoiada pela ONU que deverá “estabilizar o país”, para além de 30 milhões em assistência humanitária.

“O Governo que lidero vai demitir-se imediatamente depois da instalação de um conselho [de transição]”, garantiu depois o primeiro-ministro do Haiti, num discurso divulgado na rede X (antigo Twitter). “Peço a todos os haitianos que mantenham a calma e façam tudo o que puderem para que a paz e a estabilidade regressem o mais depressa possível”, acrescentou. Vídeos publicados depois nas redes sociais haitianas mostram pessoas a dançar na rua e fogo-de-artifício, no que terão sido festejos desencadeados pela notícia.

A actual vaga de violência explodiu o mês passado e foi exacerbada a semana passada com os ataques a duas grandes prisões, que permitiram a fuga de mais de 4000 detidos, incluindo membros dos principais grupos criminosos. Nos dias seguintes, para além de confrontos violentos nas ruas de Port-au-Prince, foram atacados vários edifícios governamentais, incendiadas esquadras, e tanto o principal porto marítimo como o aeroporto internacional passaram para o controlo dos gangs, mais bem armados do que a polícia.

Enquanto a capital era tomada por criminosos, o primeiro-ministro tentava sem sucesso regressar ao país.

Henry, que assumiu o poder depois do assassínio do Presidente Jovenel Moïse, por mercenários colombianos, em Junho de 2021, tinha viajado no final de Fevereiro para o Quénia, onde procurava assegurar o apoio ao envio de uma força policial multinacional liderada por Nairobi – Fevereiro era precisamente o mês em que Henry deveria ter deixado o cargo, mas argumentara que sem essa força internacional não seria possível restaurar a ordem e organizar eleições.

Foi essa viagem e a perspectiva dessa missão internacional que acabaram por desencadear as acções da aliança de gangs encabeçada pelo ex-polícia Jimmy Chérizier, conhecido por “Barbecue”. “Se Ariel Henry não se demitir, se a comunidade internacional continuar a apoiá-lo, iremos direitos para uma guerra civil que vai terminar com um genocídio”, ameaçou Chérizier na quinta-feira.

Sem qualquer eleição há sete anos, o Haiti, um dos países mais pobres do hemisfério Norte, já estava nas mãos de criminosos. Moïse foi assassinado no meio de uma vaga de violência, com batalhas entre gangs e entre estes e a polícia pelo controlo das ruas de Port-au-Prince, numa altura em que escasseavam alimentos e a pandemia de covid-19 tinha feito crescer a crise económica e social.

O conselho interino que deverá agora ser anunciado vai ser constituído por sete membros com direito de voto, que virão de várias coligações políticas, mas também da sociedade civil e do sector privado, e incluirá um líder religioso, e dois observadores. Quem pretender apresentar-se às próximas eleições não poderá integrar este conselho, explicou Irfaan Ali.

Na descrição de Blinken, será este órgão colegial a nomear o sucessor interino de Henry, ao mesmo tempo que garante as condições para a mobilização da força internacional e para a realização de eleições.

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