Folhas caídas: a sorte das folhas

Aki Kaurismäki conseguiu, com Folhas Caídas, falar do mundano sem fazer dele um tema, através do retrato, tão fatalista como esperançoso, de dois destinos que convergem.

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Megafone P3: A sorte das folhas DR
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Ansa e Holappa são duas folhas caídas no meio de tantas outras que se colam aos passeios e se juntam ao redor das árvores, como se acumulam nacos de carne num tapete rolante de um supermercado na fria periferia de uma cidade a Norte.

Aki Kaurismäki conseguiu, com Folhas Caídas, falar do mundano sem fazer dele um tema, através do retrato, tão fatalista como esperançoso, de dois destinos que convergem. O filme apresenta-nos os encontros e desencontros de Ansa e Holappa, sem que se distinga, entre eles, um protagonista.

Ansa e Holappa vivem em Helsínquia. Têm ambos noção do destino solitário que se avizinha. Ansa é empregada num supermercado e Holappa é operário da metalurgia. O ciclo das suas vidas é curto: saindo do trabalho, entregam-se à pacatez de uma telefonia com narrações da guerra ou frequentam bares e bebem cerveja.

É numa dessas noites que convergem pela primeira vez. Um sorriso mútuo foi suficiente para que se lembrassem um do outro.

Mas há folhas que, colidindo uma vez, podem ser pisadas, rasgadas ou levadas para fora do jardim e não se voltam a cruzar as vezes todas que gostariam. No caso de Ansa e Holappa, a coisa não é diferente. Voltam a tropeçar um no outro e desse reencontro nasce a esperança de que a solidão possa ter ido morar para outro sítio.

Conversam, mas a conversa que têm entusiasma pouco, pois os silêncios são maiores que a quantidade de assuntos que põem na mesa. Um grito de Ansa, revoltada com as notícias da guerra, é, no entanto, motivo suficiente para Holappa ter a certeza quase absoluta de que será ela quem lhe removerá o lençol cinzento que cobre a paisagem dos dias que lhe faltam até ao fim.

Mas o passado trágico de Ansa entra em conflito com um hábito fatal de Holappa, que Ansa não tolera.

Folhas Caídas quer provar-nos que o amor pode ser a mão que nos puxa para fora do poço em que aterramos, quando nos entregamos à fatalidade. Em simultâneo, é um conjunto de constrangimentos cómicos simplistas que surgem num cinzeiro imaginário à porta de um cinema ou nas nuvens de silêncio que se formam ao meio, num sofá de uma sala de estar.

Ansa e Holappa são duas folhas caídas. Mas salvou-as a sorte de caírem ao lado uma da outra.

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