Governo propõe facilitar acesso dos trabalhadores da Cultura a subsídio de desemprego

Proposta uma alteração das taxas contributivas e das condições de acesso ao subsídio de suspensão de actividade cultural. Plateia lamenta oportunidade perdida para alterações de fundo “fundamentais”.

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Campos Magneticos em Fevereiro, projecto para que se conheca a história dos espaços artisticos do Porto desde a década de 1980. Nelson Garrido
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O Governo propõe acabar com a quota adicional da taxa contributiva para os trabalhadores independentes da Cultura que os qualificava para aceder ao subsídio de suspensão de actividade, no âmbito do Estatuto do Profissional da Área da Cultura.

A proposta faz parte de um projecto de decreto-lei que altera o estatuto e que o Ministério da Cultura (MC) enviou a 23 de Fevereiro a entidades representativas do sector da Cultura, à qual a agência Lusa teve acesso esta quarta-feira.

Segundo o documento, a proposta de alteração centra-se "em dois aspectos fundamentais": alteração das taxas contributivas e das condições de acesso ao subsídio de suspensão de actividade cultural. O subsídio de suspensão de actividade cultural é equiparado ao subsídio de desemprego, para trabalhadores independentes, com contratos de muito curta duração e que estejam inscritos no registo dos profissionais da área da Cultura.

Em Maio do ano passado, estruturas representativas do sector da Cultura denunciaram que havia vários meses de atraso nos pagamentos ou mesmo ausência de resposta aos pedidos de suspensão de actividade.

Em Julho, numa audição parlamentar, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, explicou que o número "muito reduzido" de potenciais beneficiários do subsídio se devia à natureza facultativa e ao esforço adicional de quotização.

O Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura entrou em vigor de forma faseada em 2022. Só a partir de 1 de Outubro desse ano é que os trabalhadores passaram a poder ter acesso àquele subsídio.

Para isso, estão sujeitos a uma taxa contributiva de 25,2%, que resulta da taxa aplicável aos trabalhadores independentes no regime geral, de 21,4%, e de uma quotização adicional de 4,2%.

Na carta enviada a 23 de Fevereiro às várias entidades, o MC explica que na proposta de alteração a taxa contributiva passa dos actuais 25,2% para 21,4%, ou seja, "deixa de ser exigida uma quotização adicional para o Fundo Especial de Segurança Social dos Profissionais da Área da Cultura".

"Desta forma, estes profissionais da área da Cultura passam a descontar apenas para o regime geral, mantendo, no entanto, e ao contrário dos restantes trabalhadores independentes, o direito ao acesso ao subsídio de suspensão de actividade, bem como todas as protecções previstas no regime de protecção social do Estatuto", explica a tutela.

O ministério propõe ainda que na taxa contributiva dos profissionais em regime de contrato de trabalho de muito curta duração inscritos no Estatuto, a parte que é responsabilidade do trabalhador passe dos actuais 11% para 9,3%.

Além disso, é proposta uma alteração do Estatuto tendo em vista "agilizar o acesso ao subsídio de suspensão de actividade cultural, facilitando o cumprimento do prazo de garantia necessário para receber este subsídio".

Assim, é proposta a redução do valor do Indexante de Apoio Social (IAS) utilizado na fórmula de cálculo do prazo de garantia, que passa de 2,5 IAS para 2 IAS.

A tutela sustenta que esta alteração "irá permitir que o valor da remuneração mensal ou o valor do recibo electrónico necessário para atingir o prazo de garantia de 180 dias seja mais reduzido".

No projecto de decreto-lei foram ainda clarificados alguns aspectos, "nomeadamente no que respeita à situação das entidades de mera intermediação e/ou gestão colectiva de direitos de autor, quando actuam exclusivamente no âmbito dessa actividade".

Na carta, a tutela dá conta que a proposta de alteração acontece "na sequência da auscultação que tem vindo a ser feita ao sector e com base nos elementos disponíveis após dois anos de experiência prática do regime".

Num comunicado divulgado esta quarta-feira, a Plateia - Associação de Profissionais das Artes Cénicas considera que as alterações propostas "respondem a reivindicações de sempre, mas mantém injustiças de fundo".

Aquela entidade partilha ter recebido "com bastante surpresa" a proposta do Governo, sobre a qual deverá enviar um parecer até sábado.

"O prazo para a revisão do estatuto era de dois anos, ou seja, até Dezembro de 2023. Desde que o Governo tomou posse, houve tempo suficiente para esse trabalho ser feito, bem como as condições necessárias e interlocutores preparados e dedicados, além de um grupo de acompanhamento", refere a Plateia, acrescentando que "repetidas vezes" mostrou à tutela "disponibilidade e interesse para reunir sobre este assunto".

No entanto, alega a associação "não houve lugar a qualquer debate e partilha de propostas por parte do governo".

"Temos a expectativa de estabelecer um diálogo mais construtivo com o próximo governo, para virmos a aprofundar a revisão deste Estatuto", afirma.

No comunicado, a Plateia dá conta que concorda "com a generalidade dos pontos da proposta de alteração".

"A redução do prazo de garantia (número de dias de trabalho necessários para aceder à prestação) para acesso ao Subsídio de Suspensão de Actividade, que reivindicamos desde sempre, é fundamental, e deve ir ainda mais longe, contabilizando-se todos os rendimentos e não apenas a base de incidência, ou seja, 70%. Também a redução das taxas contributivas é essencial, para que haja adesão ao sistema de protecção social especial", sustenta.

No entanto, a associação lamenta "que a revisão agora proposta desperdice a oportunidade para fazer as alterações de fundo que são fundamentais".

Destacando que "o Estatuto fez bem em reconhecer a necessidade de um enquadramento de protecção social específico" para o trabalho na Cultura, a Plateia alerta que "o enquadramento será sempre desadequado enquanto continuarem a ficar excluídas todas as situações que não sejam o recibo verde ou o contrato de trabalho de muito curta duração".

"As regras actuais, que o governo não quis alterar, contradizem o objectivo de promover a celebração de contratos de trabalho e são prejudiciais para as inúmeras pessoas que trabalham através de diferentes modalidades, dado que não existe uma forma de integrar os descontos e a contagem do tempo de trabalho para o Subsídio de Suspensão de Actividade Cultural (para o qual só contam recibos verdes e contratos de trabalho de muito curta duração) e para o Subsídio de Desemprego (para o qual contam todos os restantes contratos de trabalho)", defende.

Além disso, a associação salienta que "há ainda muito a fazer no combate à precariedade na área da cultura".

"Preocupa-nos o recuo que existiu sobre a forma de comunicação do recurso a recibos verdes e o facto de não haver mais medidas de combate à precariedade. Precisamos de uma estratégia específica e mais robusta, nomeadamente de regularização dos falsos recibos verdes ou situações de falso outsourcing, dado que as leis actuais não têm sido capazes de proteger quem trabalha na cultura", lê-se no comunicado.

A Plateia conclui alertando para "os relatos alarmantes sobre a demora nas respostas da Segurança Social aos trabalhadores da cultura".

"Em particular é grave a falta de resposta em tempo útil aos pedidos de Subsídio de Suspensão de Actividade, o que põe em causa o próprio objectivo de protecção social. Passar quatro meses entre o pedido do subsídio e a sua atribuição, como ocorre, significa a total inoperância da lei e um desrespeito por quem trabalha e contribui", alerta.

Segundo dados disponibilizados esta quinta-feira ao PÚBLICO pela tutela, actualmente há apenas 1886 trabalhadores registados no Estatuto, num universo de pelo menos 190,6 mil profissionais da Cultura, de acordo com o mais recente levantamento do Instituto Nacional de Estatística, referente a 2022.

É um número que tem vindo a decrescer, reflectindo as críticas e as incertezas face a este regime: em Outubro de 2022 havia 2363 inscritos, enquanto em Julho de 2023 eram 2157. Um cenário que a própria tutela admitia então estar “muito aquém das expectativas com base nas quais este mecanismo foi criado”, desde logo a estruturação e a caracterização estatística do sector para melhor se definir políticas públicas.

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