Preocupações com o futuro tão próximo: cinco medidas para salvar a universidade

A plataforma de discussão Universidade Comum quer aproveitar este momento político para lançar um desafio à próxima legislatura.

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O país foi chamado novamente a pronunciar-se nas urnas, elegendo, no próximo dia 10 de março, uma nova Assembleia da República. É, por isso, o momento de os vários protagonistas políticos apresentarem e defenderem os seus programas eleitorais. Neste contexto — e face ao esquecimento sistemático a que foram votados, pelos vários governos da República e pela própria produção noticiosa, o Ensino Superior e a Ciência —, a plataforma Universidade Comum quer aproveitar este momento político para lançar um desafio à próxima legislatura.

Os problemas políticos e sociais do país, no ano em que se comemoram os 50 anos da Revolução do 25 de Abril, agudizaram-se. O regime democrático está mais fragilizado do que nunca e a história recente ensina-nos que quando a democracia e as suas instituições perdem a capacidade de promover novos horizontes de futuro, instala-se um clima de descontentamento e ódio, fazendo surgir respostas populistas e autoritárias que ameaçam os pilares de uma sociedade moderna, assente no conhecimento e nos direitos humanos.

A universidade não é nem pode ser um corpo estranho nesta dinâmica social, e só poderá enfrentar os desafios que a sociedade contemporânea nos coloca se for modernizada e fortalecida. Não podemos continuar a aceitar que o mantra da autonomia esteja assente num divórcio deste setor com o interesse comum da sociedade portuguesa. Para tal, é imprescindível aumentar o investimento público e, assim, garantir uma real independência em relação aos vários poderes estranhos que cercam atualmente o meio. Por outro lado, não se produzem ferramentas de defesa da democracia fora de portas se estivermos impedidos de a praticar no nosso local de trabalho/estudo. Devolver o poder de decisão sobre os caminhos da universidade à respetiva comunidade é um imperativo e uma urgência.

De modo a participar numa construção coletiva do futuro para as novas gerações do nosso país, cada vez mais qualificadas e cada vez mais precárias no emprego e na vida, a Universidade Comum defende cinco grandes linhas de atuação, que passo a enunciar:

  • Devolver a Democracia à Universidade, através da aprovação de um novo RJIES (Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior), que recupere a eleição do reitor por colégio universal, alargue a representatividade nos órgãos, extinga o modelo fundacional e as instituições privadas sem fins lucrativos e crie um novo enquadramento legal que respeite a autonomia das instituições sem abandonar o seu caráter público;
  • 3% do PIB investido em Ensino Superior e Ciência até 2026, em que ⅔ desse valor é investimento público;
  • Reorganização da Fundação para a Ciência e a Tecnologia I.P., garantindo orçamentos plurianuais e aumento do seu grau de autonomia, desburocratizando processos de funcionamento, fixando um calendário anual de concursos e aproximando a sua atividade e modelo de organização à comunidade científica;
  • Dignidade no Trabalho Académico: pacote legislativo que incorpore uma revisão verdadeiramente participada dos Estatuto de Carreira Docente Universitária (ECDU), Estatuto de Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico (ECDESP) e Estatuto de Carreira de Investigação Científica (ECIC), novo enquadramento legal sobre a figura de docente convidado e alargamento do âmbito de elegibilidade do programa tenure a todos os investigadores doutorados, com vista à sua plena integração em institutos de investigação públicos;
  • Mais Estudantes, Mais Igualdade de Oportunidades, através da garantia de um programa de “Quarto para Todos” — programa de investimento público na requalificação de imóveis do Estado e construção de novas residências com a respetiva calendarização, da recuperação do caminho trilhado até à extinção das propinas, aumento da percentagem do investimento em bolsas de ação social em sede de Orçamento do Estado e contratação de mais psicólogos nas IES.

Um compromisso com o futuro significa, neste setor, firmar um acordo com as atuais e novas gerações que estudam, produzem conhecimento e o transmitem. É esse o nosso repto a todas as forças democráticas que se candidatam a estas eleições, mas também a todos os atores académicos e sociais com poder de decisão no mundo universitário. Até quando vamos aceitar ser uma sociedade que qualifica, prepara e, a seguir, desperdiça toda a massa crítica capaz de transformar a economia, melhorar a democracia, combater as alterações climáticas, refletir sobre o mundo?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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