Somos sempre melhores quando ainda não temos filhos (ou netos)

Já estamos na Quaresma, 40 dias para nós arrumarmos por dentro e ressuscitarmos mais livres no domingo de Páscoa, por isso parece-me que escolheste o momento certo para esta confissão.

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EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Querida Mãe,

Como é óbvio fui muito melhor mãe antes de ter filhos e, na altura, fiz listas das mil coisas que jamais faria com as minhas crianças. Por isso decidi que hoje ia engolir o orgulho e expor aqui algumas das mini arrogâncias de quem não sabia em que é que me metia.

  1. Jurei que não iam (praticamente) ver televisão. Nem sequer tive que chegar ao segundo filho para mudar de ideias e rapidamente enchi-me de orgulho por as gémeas saberem por os desenhos animados sozinhas.
  2. Obviamente nunca ia ceder numa birra de supermercado. Não é não! Ou talvez... Ou provavelmente... Ou "sim eu levo o brinquedo!"
  3. Cada um tem a sua cama! Este demorei tempo de mais a deixar cair, porque em retrospectiva deveria era ter comprado um colchão gigante e feito um estúdio de música em vez de um quarto de bebé!

E as suas promessas como avó? O que jurou não fazer?

Beijos!


Querida Ana,

Já estamos na Quaresma, 40 dias para nós arrumarmos por dentro e ressuscitarmos mais livres no domingo de Páscoa, por isso parece-me que escolheste o momento certo para esta confissão. Ora bem, aqui vão três arrogâncias que já caíram por terra.

1. Não ser como aquelas avós que estão sempre a dar palpites e que não resistem a concorrer com as filhas e as noras. Pois, como sabes, quando me vi no papel, percebi que é mesmo muito difícil ficar calado. E que mesmo os mais bem-intencionados de vez em quando fazem críticas, disfarçadas de perguntas sonsas.

2. Ah, como jurei a mim mesma que não acusaria os meus netos de serem culpados pelo cansaço dos pais. Odiava quando a minha mãe repreendia uma birra dos meus filhos, dizendo-lhe “Não canse a mãe, que já está tão exausta” — é que nem calava a criança, nem me aliviava em nada. Tinha a memória, ainda por cima, da minha própria avó me dizer o mesmo, e da enorme culpa que sentia depois, imaginando que a minha mãe ia morrer por trabalhar demais, e nos aturar a todos. E agora? Agora, já dei por mim a dizer o mesmo!

3. Lutar contra o consumismo, claro!, sobretudo de roupa que enche armários e só se usa uma vez. E cumpro, desde evidentemente que não vá dar uma volta num shopping com as minhas queridas netas. Ai é, “Gostas desta camisola?”, e elas muito queridas respondem sempre “Gosto, avó, mas não é preciso!” Mas pronto, já é tarde!

E vou pensar em mais.

Beijinhos


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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