Nova Iorque, final dos anos 1930. Uma multidão observa uma nuvem cinzenta de enormes proporções, caos, destruição, aparentemente provocados pelo derretimento de um edifício. "O uso de materiais de construção incompatíveis entre si provocou uma reacção química em vários edifícios de Nova Iorque", garante o texto que acompanha a imagem. É uma fotografia? Parece, mas não: o artista britânico Phil Toledano trabalha com inteligência artificial (IA) para simular fotografias que contam histórias alternativas. Esta é a de uma Another America; outra série vem aí, Another England.

Da arte ao jornalismo, a IA está a abalar a indústria fotográfica. É fácil perceber porquê quando vemos a qualidade fotorrealista das imagens de Toledano (mesmo que pintalgadas por um surrealismo que, propositadamente, as "denuncia"), Blake Wood (através da IA, reescreve parte de um passado doloroso em imagens tão realistas que nos baralham) e outros artistas.

Em 2023, o prestigiado festival de fotografia PhotoVogue dedicou a sua edição à imagem sintética gerada por IA, causando indignação entre fotógrafos. A Adobe começou a comercializar imagens sintéticas do conflito em Gaza. Nasceu uma revista de moda que dispensa o recurso a fotógrafos ou a modelos – toda uma economia trocada pela IA. A instituição Vogue introduz imagens geradas por IA nas suas edições.

Como fica a arte fotográfica no meio desta revolução? E o ser humano? É o que Ana Marques Maia conta no tema de capa desta edição.

Com Os Excluídos, o realizador Alexander Payne "acorda uma escrita esquecida". Na conversa com Vasco Câmara, há um elogio enorme ao actor Paul Giamatti, que os Óscares podem corroborar, em Março: "Os actores dizem-nos isso: o que é a vida, o que é viver? Idealmente, no seu melhor, a arte, o cinema, é capaz de fazer isso. Paul é capaz de fazer isso, tem uma multidão de caras dentro dele."

Diziam que A Paixão Segundo G.H. (1964), de Clarice Lispector, não era livro filmável. "Se me afecta, é filmável", responde o realizador brasileiro Luiz Fernando Carvalho numa conversa com Isabel Lucas que é sobre cinema, literatura, a lente especial que criou para este filme e um Brasil racista e classista que perdura.

"Estou muito mais preocupado com o facto de as pessoas encontrarem beleza nesta música do que em explicá-la." Martim Sousa Tavares é um dos mais conhecidos divulgadores da música dita "clássica" (expressão cómoda, mesmo que imprecisa; já "erudita" dá-lhe "urticária"). É também maestro, programador, arranjador. As várias facetas de Tavares estarão em destaque no São Luiz, Lisboa, numa programação ecléctica que vai de Capitão Fausto a John Luther Adams, de Hugo van der Ding a Kurt Weill

"Mas alguém acredita seriamente que o capitalismo vai continuar?", pergunta Jonathan Crary na entrevista que deu a José Marmeleira. Ele está certo que esta forma de vida, acelerada pela digitalização das vidas, é insustentável. Escreveu um livrinho que tem algo de panfleto, Terra Queimada.

Também neste Ípsilon:

- Entrevista com as Sleater-Kinney, uma das melhores bandas rock dos nossos dias

- Conversa com o neurocientista Mariano Sigman, autor do livro O Poder das Palavras

- O que vemos nas guerras culturais não é invenção dos nossos dias: desde o século XIX que já não se pode dizer nada

- Críticas aos novos trabalhos de José António Almeida (poesia), Albano Silva Pereira (exposição; ainda só disponível na edição impressa), FOCA (jazz), Idles (rock, rock, rock) e a One Love, o biopic sobre Bob Marley


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