CP obrigada a pagar 20 mil euros a passageira ferida em viagem

Helena Silva ficou sem meios de sustento aos 53 anos: “Comia um ovo, porque o dinheiro não chegava. Cheguei a pedir emprestado para medicamentos”.

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Portas de acesso ao interior das carruagens “deveriam dispor de um mecanismo que impedisse a sua movimentação quando sujeitas a esforços”, diz tribunal Rui Gaudencio
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Quando embarcou em Campanhã de regresso a casa, Helena Gonçalves da Silva não podia adivinhar que naquele aziago dia de Verão de 2017 a sua vida ia mudar.

Empregada de limpeza num resort na zona de Óbidos, de quando em vez a mulher de 53 anos visitava um casal amigo no Porto. Com uma pequena mochila às costas e um saco na mão, Helena agarrou-se aos puxadores das portas da carruagem para subir para o Intercidades parado na plataforma. “Sou forte, na altura pesava uns 80 quilos. A porta do lado esquerdo cedeu e bateu-me num joelho”, recorda. Sentiu logo uma dor lancinante, enquanto outros passageiros quase a atropelavam por estar a atrapalhar a sua entrada na composição: “As pessoas pareciam loucas: 'Vamos embora…o comboio vai embora'”.

A viagem até Santarém, onde ia desembarcar, fê-la aflita, mal aliviada pelo ben-u-ron que levava na carteira. A perna estava um trambolho. Ainda se queixou ao revisor quando este apareceu na carruagem, já a viagem ia a meio, mas o homem não lhe ligou. Por esta altura, já Helena tinha percebido que não escapava a uma ida ao hospital. Foram vizinhos que a tiraram do comboio em Santarém, porque já não conseguia descer pelos seus próprios meios. O diagnóstico, recebeu-o nesse mesmo dia: não tinha nada partido, mas tinha uma lesão no joelho, mais propriamente uma ruptura no menisco.

O calvário que começou nessa viagem ainda não findou, mas já teve dias piores. Após os primeiros cinco meses de baixa, o resort não lhe renovou o contrato. Ficou sem meios de sustento, chegou a passar mal: “Comia um ovo e um pãozito, porque o dinheiro não chegava para um bife. Cheguei a pedir dinheiro emprestado à minha mãe e a uma filha para comprar medicamentos.” Pelo meio, enfrentou duas cirurgias – da última vez colocaram-lhe uma prótese total do joelho – e uma depressão grave. “Tentei o suicídio. Estava tão angustiada, num tal desespero que só me apetecia morrer.” Teve de entregar a casa onde morava ao senhorio. Valeu-lhe ter encontrado entretanto um companheiro, com quem foi viver.

Receberam sempre a mesma resposta as reclamações que apresentou junto da CP: “A situação em apreço não foi motivada por qualquer facto imputável a esta empresa, pelo que não lhe compete proceder ao pagamento de qualquer despesa.” Mas não foi esse o entendimento dos três tribunais pelos quais o caso já passou. No início deste mês a CP – que o PÚBLICO tentou ouvir, sem sucesso – chegou ao fim da linha no que respeita aos recursos judiciais que foi apresentando para se furtar a indemnizar a passageira: o Supremo Tribunal de Justiça decretou que vai ter de lhe pagar 20 mil euros, acrescidos de juros, a título de danos não patrimoniais. Os conselheiros entenderam que a passageira nenhuma responsabilidade teve no acidente, ao contrário da transportadora, que mantinha ao serviço um equipamento que constituía uma fonte de perigo.

As portas de acesso ao interior das carruagens “deveriam dispor de um mecanismo que impedisse a sua movimentação quando sujeitas a esforços”, de forma a não atingirem os seus utilizadores, pode ler-se nesse acórdão.

Helena sobrevive neste momento com uma reforma de 470 euros. Mas não é ao dinheiro que se refere quando conta que é obrigada a fazer “uma vida reduzida”. Fala da mobilidade limitada, das dores que ainda tem, da carrinha que teima em continuar a conduzir de vez em quando apesar de o travão de mão ter de ser accionado pela perna doente.

Da CP, garante não ter recebido até ao momento um tostão. “Nunca mais pus os pés num comboio, nem vou voltar a pôr”, declara. “Quando quero viajar, vou de expresso.”

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