Lutar é melhor que suicídio: agricultores indianos voltam a marchar para Nova Deli

O sector agrícola quer um preço mínimo para as colheitas e o perdão das dívidas. Num país onde em média mais de 14 agricultores endividados se suicidam diariamente, os sindicatos não querem recuar.

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O Governo indiano quer evitar a todo o custo que os agricultores cheguem a Nova Deli HARISH TYAGI/EPA
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Num qualquer dia de 2023 na Índia mais de 14 agricultores, em média, suicidaram-se por não saberem como pagar aos bancos ou aos agiotas a quem pediram dinheiro para sobreviver até à próxima colheita. Os dados estão seguramente subestimados, há acusações de manipulação dos dados nas administrações estaduais e representam apenas uma parte das mortes auto-infligidas no sector agrícola, se juntarmos todos os trabalhadores, foram 11.290 suicídios o ano passado ou quase 31 suicídios por dia.

Com as alterações climáticas a reduzirem o rendimento das culturas e a diminuir a qualidade nutricional dos produtos e a fazer crescer os episódios climáticos extremos, como as secas ou as inundações, não admira que os agricultores indianos não estejam dispostos a recuar em mais uma marcha em direcção a Nova Deli para tentar obrigar o Governo de Narendra Modi a aceitar as suas exigências.

Os líderes sindicais querem um preço mínimo das colheitas, o perdão de todas as dívidas dos agricultores e o arquivamento dos processos contra os agricultores envolvidos na luta de 2021 contra a reforma agrária imposta pelo executivo e que durou quase um ano. O Governo não está disposto a aceitar. Já passada a meia-noite de segunda-feira, a reunião entre os líderes do Samyukt Kisan Morcha (Frente de Agricultores Unida, criada para coordenar a luta de há três anos) e o ministro da Agricultura, Arjun Munda, terminou sem fumo branco.

“Não achamos que o Governo esteja a levar a sério as nossas exigências”, disse aos jornalistas, após a reunião com Munda, Sarwan Singh Pandher, o coordenador do Kisan Mazdoor Morcha, um dos sindicatos de agricultores.

Esta terça-feira, os dois lados agiram para demonstrar quem tem mais peso para forçar o outro lado a negociar. Milhares de agricultores começaram a marchar a pé e em tractores em direcção a Nova Deli por sete estradas nacionais, chamaram-lhe Dilli Chalo (Vamos para Deli). O executivo ordenou às forças de segurança que façam todos os possíveis para evitar a repetição de 2021.

Barricadas com espigões de metal, cimento e placas de aço foram erguidas pelas forças de segurança nas principais estradas que ligam três estados a Nova Deli. Esta terça-feira, colunas de fumo do gás lacrimogéneo podiam ver-se perto de Ambala, cerca de 200 quilómetros a norte da capital, enquanto os ajuntamentos com mais de cinco pessoas foram proibidos na capital. O serviço da Internet foi cortado em alguns distritos do estado de Haryana para dificultar a comunicação entre os manifestantes. Os agricultores estão em marcha de Haryana e do Punjab.

Os agricultores sabem que com eleições legislativas marcadas para Abril e com uma parte substancial do seu apoio eleitoral no campo – cerca de dois terços dos 1,4 mil milhões de habitantes da Índia vivem da agricultura, que, segundo dados oficiais, contribui com cerca de um quinto do PIB do país –, o Governo quer evitar que a situação se prolongue e afecte o resultado do Bharatiya Janata Party (BJP, Partido do Povo Indiano) nas urnas. Ao mesmo tempo, não querem perder outra vez o braço-de-ferro com o Samyukt Kisan Morcha (SKM).

O SMK é uma organização conjunta de uma quarentena de sindicatos agrícolas criada em 2020 para coordenar a satyagragh, a resistência não-violenta contra a reforma agrária para liberalizar o mercado agrícola avançada pelo Governo de Modi, que acabou por ser retirada depois de quase um ano de assentamentos de agricultores às portas da capital.

Segundo os números do Governo, em 2020-2021, os agricultores indianos deviam mais de 18,4 biliões de rupias (205,6 mil milhões de euros), um considerável aumento em relação aos 12 biliões de rupias (134,1 mil milhões de euros) de 2015-16. O número de agricultores endividados aumentou de 69 milhões para mais de 100 milhões.

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