Em defesa do Estado de Direito

Urge pensarmos sistematicamente, olharmos para a nossa democracia, para o nosso Estado de Direito e pensarmos no que devemos fazer para o fortalecer.

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Os dias de hoje são cada vez mais perigosos, sobretudo quando se coloca em causa o que tínhamos (ainda temos?) por garantido. Senão, vejamos.

Quando assistimos à atual ofensiva contra a democracia, encontramos, sobretudo, um vil e soez ataque ao que a garante, ou seja, ao Estado de Direito – para que, como veremos, os direitos fundamentais sejam colocados em causa.

Ou seja, as instituições que representam o conceito liberal de Estado (poder judicial, legislativo e executivo) são colocadas em causa por estratégia desenhada, projectada e cientificamente executada: se se desacreditar o poder do Estado, no modelo escolhido pelo mundo ociental, acaba-se por sacrificar o Estado de Direito, destruindo o seu sistema de garantias dos direitos fundamentais, podendo, a partir daí, impor um novo modelo de autocracia, nascido e fomentado dentro das democracias.

Se vingasse, o que não sucederá, seria o triunfo de um sistema com um só denominador: ser contra – ou seja, contra a democracia, contra o Estado de Direito e contra os direitos fundamentais.

É por isso que a garantia de efectivação dos direitos fundamentais representa, hoje, no contemporâneo Estado de Direito, a refundação permanente dos seus pressupostos, orientando-o, por sua vez, na defesa intransigente da dignidade da pessoa humana, pelo que é usual salientar-se o estreito nexo de dependência funcional entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais.

Com efeito, os direitos fundamentais constituem a primeira garantia do cidadão de limitação do exercício do poder, sendo que o sistema jurídico e político, em conjunto, orientar-se-ão pela sua efectivação, com todas as suas consequências – a primeira das quais, o seu reconhecimento são, assim, o nosso bem mais precioso.

Numa visão mais abrangente, é essa mesma relação que acaba por permitir que se olhe para as relações entre Estados com os olhos postos nos direitos fundamentais, passando as declarações universais a reconhecê-los, no seu núcleo essencial, chamando-lhes Direitos do Homem – ou Direitos Humanos, como se preferir.

Como bem sabemos, o exercício do poder, aqui e agora, depende de eleições com voto universal e directo, que legitimam a representação e o exercício do poder do Estado. Assim se construiu, talhando ao longo de vários séculos, algo que parece não ter rival e onde todos devíamos gostar de viver: a democracia – daí confundirmos, tantas e tantas vezes, o país com a “nossa democracia”.

Neste sistema claro e cristalino, a democracia, o Estado de Direito e os direitos fundamentais conjugam-se num modelo a que se usa chamar “Estado Democrático de Direitos Fundamentais”. Pode não ser perfeito, pode ter vícios, pode, até, ser facilmente deturpável por acção ou omissão, mas não podemos ter dúvidas: a solução é sempre o seu reforço, o seu depuramento, a sua construção permanente e jamais a sua derrogação, destruição e, ou, substituição.

É por isso que assistimos a um ataque sem quartel e sem limites, que não permite aos executantes, sequer, o reconhecimento de resultados eleitorais que os derrotam. E não permitem por um motivo muito simples: o descrédito da representação, se disseminado, se universalizado, é o fim das instituições lideradas por quem vence as eleições – o que levará, inexoravelmente, ao fim da democracia.

O princípio que aplicam é simples: se o exercício do poder for ilegítimo, porque assente em vícios de representação, então as instituições passam a ser ilegítimas – sendo certo que parece que já chegámos ao dia em que a própria imprensa deixou de ser utilizada como meio de divulgação da ideia para passar a ser denominada como “o perigoso” elemento de oposição a esse ataque.

Urge pensarmos sistematicamente, olharmos para a nossa democracia, para o nosso Estado de Direito e pensarmos no que devemos fazer para o fortalecer, para, perdoem-me a força da expressão, o tornar mais perfeito e próximo dos anseios das populações, para que, efectivamente, se revejam no modelo de Estado e sintam que os direitos fundamentais não são uma mera enumeração, mas sim uma realidade que se impõe no dia a da.

Quando e enquanto assim for, com os cidadãos a entenderem que a actuação de quem exerce o poder respeita a ambição constitucional de consagrar um modelo que, em primeira linha, os defenda social, económica e politicamente, que perceba a comunidade como um todo, que se direccione para a resolução das questões que todos os dias se colocam no âmbito da prestação pública, enquanto modelo de gestão do interesse colectivo, a defesa do Estado de Direito e da democracia estão assegurados.

Mas se assim não fizermos, se falharmos enquanto comunidade, não percebendo que a democracia tem valores e não pode ser neutral, termos o Estado de Direito em permanente risco. E quem arrisca, quem muito arrisca, acaba sempre por cair. Não tenhamos grandes dúvidas.

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