Metade dos estrangeiros nos centros de acolhimento para sem-abrigo de São Paulo são angolanos

São cada vez mais os que chegam ao Brasil a fugir da crise em Angola. “No meu país, as coisas não estão boas”, diz um biomédico. Nas cidades, mais de uma em cada três pessoas não tem emprego.

Foto
Manifestação em Luanda contra o aumento do preço dos combustíveis Ampe Rogério/LUSA
Ouça este artigo
00:00
05:12

Com a inflação a subir em Dezembro para 20%, as Nações Unidas a rever em baixa a previsão do crescimento económico de Angola para 2024 de 3% para 1,5%, um desemprego que no terceiro trimestre do ano passado chegou a 38,5% nas áreas urbanas (onde vive quase dois terços da população), não admira que sejam cada vez mais os angolanos que pensem em emigrar. E o número daqueles que olha para o Brasil como destino tem aumentado nos últimos anos, a ponto de hoje, metade dos estrangeiros registados nos abrigos temporários em São Paulo ter nacionalidade angolana.

É um fenómeno “que tem crescido significativamente”, diz à Lusa o secretário de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, Carlos Bezerra Júnior. No ano de 2020 foram 2550 angolanos a chegar a São Paulo, em 2023, esse número chegou a 3390.

Muitos dos migrantes que chegam e não conseguem encontrar um local para morar acabam por recorrer aos abrigos públicos da cidade para não ficarem na rua. De acordo com os dados recolhidos pela Lusa junto da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) da Câmara de São Paulo, em 2023 passaram pelos abrigos públicos 6.896 estrangeiros de 97 nacionalidades diferentes e pelo menos metade deles eram angolanos.

Marcelo Macama Ngoma, de 38 anos, chegou de Luanda. Conheceu alguns brasileiros nas clínicas médicas onde trabalhou em Angola e decidiu vir tentar a sorte. “Sou técnico superior, sou licenciado em biomedicina e vim em busca de melhores condições de vida porque no meu país as coisas não estão boas”, contou.

Assim que aterrou em São Paulo, o biomédico dirigiu-se logo ao Centro de Acolhida – Scalabriniana, uma missão católica que recebe estrangeiros na zona norte de São Paulo em parceria com a câmara. Das 190 pessoas que ali estão acolhidas, 137 são angolanas. Enquanto não encontrar emprego e começar a ganhar dinheiro para sobreviver, Marcelo Ngoma vai ficar por ali alojado.

Até mulheres grávidas, que se permitem arranjar meios para comprar um bilhete de avião, escolhem o Brasil para conseguir acompanhamento médico durante a gestação e melhores cuidados de saúde e de educação quando a criança nascer. Muitas têm gestações consideradas de risco e temem perder o bebé se ficarem em Angola. Outras só querem futuros diferentes para os filhos por nascer.

Carlos Bezerra Júnior fala numa tendência dos últimos dois anos e que tudo indica se irá repetir em 2024. "Isso acontece em virtude das más condições do serviço de saúde, da dificuldade de acesso de saúde no seu país de origem, para que elas possam ter os seus bebés aqui, na cidade de São Paulo, e a garantia de acesso não apenas ao serviço de saúde para a mãe, mas também a garantia de creche para os seus filhos e os serviços sociais como um todo", afirma o responsável.

"Viajei grávida de nove meses porque a gravidez não estava boa”, conta Lorena Mankulu Zozinia, de 38 anos. Foi a médica que lhe falou no Brasil, “porque tratam muito bem” as mulheres grávidas e avisou-a que “se ficasse [em Angola] poderia morrer”. Lorena teve medo de voltar a passar pelo mesmo que já lhe tinha sucedido. “Já perdi bebés gémeos por causa do hospital, porque o hospital é ruim. A doutora me fez um papel [para o bebé] nascer fora do país porque estava com mioma”, explica.

Quando chegou ao Brasil, não conseguiu encontrar o hotel que lhe haviam recomendado, acabou a passar a noite numa igreja evangélica, tendo sido depois encaminhada para o centro de atendimento da câmara de São Paulo. Teve um sangramento e foi logo encaminhada para o hospital, dez dias depois, nascia a sua filha.

Lumungu Luamuifí tem 41 anos. Em Luanda deixou o marido e o seu trabalho no comércio para tentar a sua sorte no Brasil. Trouxe com ela as duas filhas, sempre com o objectivo de fixar residência. “Achava que ia encontrar uma [pessoa] da minha família aqui”, conta ao jornalista da Lusa, mas, descobriu que a mesma já tinha partido para os Estados Unidos e ficou sem sítio para ficar. Passou a primeira noite no aeroporto, depois uma mulher informou-a dos centros de acolhimento existentes na cidade.

Também Pedro Belarmino Makasa, de 52 anos, vinha com a morada de alguém, neste caso de um amigo, como destino para ficar nos primeiros dias, mas descobriu tarde de mais que o mesmo se tinha mudado, para o estado de Santa Catarina. Foi um motorista de táxi e pastor evangélico que lhe falou do Centro de Acolhida – Scalabriniana.

Pedro Belarmino quer voltar para Angola, assim que dê por concluído o seu objectivo de aperfeiçoamento técnico-profissional. Uma excepção entre todos aqueles que falaram com a reportagem da Lusa, para quem a situação em Angola se tornou insuportável. Tão insuportável que levou Nvunzi Albertina Pedro Panzo, de 32 anos, a emigrar para o Brasil sem a família.

"Eu viajei grávida. Vim cá grávida, deixei a família toda, os meus pais, o marido, todos ficaram. Vim sozinha. Quando eu fiquei grávida, na verdade, não queria passar o que os outros foram passando. Assisti a várias realidades que me deixavam triste. Então, como é o meu primeiro filho, decidi não ter o meu bebé lá. Preferi vir mesmo, porque aqui tem histórico de saúde já desenvolvido, diferente de Angola." Chegou há seis meses, não sabe quando voltará a ver a família outra vez.

Sugerir correcção
Ler 8 comentários