Circulação no Atlântico pode já estar a caminho de um colapso, sugere novo modelo

A Circulação Meridional do Atlântico (AMOC), que ajuda a regular o clima da Terra, pode já estar a caminho de um ponto sem retorno, sugere estudo que propõe novo sistema de alerta baseado na física.

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Cientistas da Universidade de Utrecht, nos Países Baixos, desenvolveram uma nova forma de identificar sinais de alerta precoce do colapso da Circulação Meridional do Atlântico Guillaume Bassem/Unsplash
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O principal sistema de circulação do oceano Atlântico pode já estar a caminho de um ponto sem retorno, sugere um artigo publicado nesta sexta-feira na revista Science Advances. Este sistema chama-se Circulação Termosalina Meridional do Atlântico (AMOC, na sigla em inglês) e desempenha um papel importante na regulação do clima na Terra.

Os autores do estudo – uma equipa de cientistas da Universidade de Utrecht, nos Países Baixos – desenvolveram uma nova forma de identificar sinais de alerta precoce do colapso da AMOC. O modelo criado pelos cientistas foca-se no aumento da água doce no sistema, um factor que desestabiliza a circulação no Atlântico.

A AMOC integra um complexo sistema global de correntes oceânicas que funciona como um “tapete rolante”, que faz circular água quente à superfície e água fria em profundidade através das diferenças de salinidade e temperatura.

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A Circulação Meridional do Atlântico integra um complexo sistema global de correntes oceânicas que funciona como um tapete rolante, fazendo circular água superficial quente e água fria em profundidade NOAA/DR

“Investigamos não só a dinâmica de enfraquecimento da AMOC, mas também as consequências. Os nossos resultados foram usados ​​para desenvolver um sinal de alerta precoce baseado na física. Isto ajuda a interpretar o estado actual da AMOC, mas não conseguimos determinar a que distância estamos hoje do ponto de inflexão”, explica ao PÚBLICO o autor principal do estudo, René van Westen.

Por outras palavras, sabemos que a AMOC está a enfraquecer, mas não é possível determinar quão longe estamos do colapso do sistema. A comunidade científica tende a reunir-se à volta do seguinte consenso: não é provável que a AMOC atinja um ponto sem retrocesso ainda no século XXI. Um artigo controverso, publicado em 2023, no entanto, sugeria que a Circulação no Atlântico poderia entrar em colapso entre 2025 e 2095, afectando o clima na Terra.

O papel da água doce

As conclusões do estudo da Universidade de Utrecht baseiam-se num modelo climático de circulação da água doce. As águas com baixo teor salino desempenham um papel importante neste sistema, podendo condicionar a força da AMOC. Recorde-se que cabe à rede global de correntes oceânicas a redistribuição de água doce e calor em direcção aos pólos.

René van Westen e demais co-autores simularam um aumento gradual na entrada de água doce superficial para o Atlântico Norte, ao longo de 2200 anos, para tentar compreender o processo de enfraquecimento da AMOC, e perceberam que um transporte de água doce numa determinada localização, de norte para sul, pode ser um indicador de um colapso iminente da AMOC.

“A entrada de água doce no Atlântico Norte desestabiliza a AMOC. Dilui a salinidade do oceano e reduz o ‘afundamento’ da água (ou seja, a convecção profunda) ao redor da Gronelândia. A entrada de água doce dilui a salinidade do oceano e resulta em menos afundamentos, daí o enfraquecimento do AMOC. A sensibilidade do enfraquecimento do AMOC a esta entrada de água doce pode ser explicada através do feedback de advecção de sal”, explica René van Westen ao PÚBLICO, numa resposta enviada por email.

O “afundamento” a que se refere Van Westen está ligado à densidade da água. A água quente dos trópicos que segue em direcção ao norte tende não só a arrefecer, mas também a sofrer alguma evaporação (logo, fica mais densa). Como está mais fria e salgada, flui para zonas oceânicas mais profundas e a sul. Contudo, se estiver diluída, essa dinâmica altera-se.

Tais dinâmicas são consideradas essenciais para manter a força da AMOC, assim como o calor relativo do hemisfério norte, uma vez que as reconstruções climáticas anteriores associaram perturbações da AMOC a mudanças súbitas do clima, refere uma nota de imprensa.

“Esta é a primeira vez que um acontecimento de inclinação abrupta da AMOC é identificado num modelo climático moderno e complexo. Os nossos resultados demonstram que o colapso da AMOC é possível nesses modelos, antes havia poucas evidências de que tais modelos pudessem mostrar a dinâmica de declínio da AMOC”, refere René van Westen.

Entre as limitações do estudo da Universidade de Utrecht está o facto de o aumento da água doce resultar de uma simulação (e não da observação de dados), e de as alterações climáticas não serem consideradas no modelo.

A temperatura, a salinidade e a velocidade das correntes no Atlântico são medidas há duas décadas por instrumentos de monitorização. Esta série de dados, contudo, não é longa o suficiente para permitir identificar sinais indiscutíveis de um possível colapso da AMOC.

Grande parte dos modelos disponíveis na literatura sugere que a AMOC tende a enfraquecer com a mudança do clima, mas há um elevado grau de incerteza em relação a quando (e com que rapidez) isto poderá ocorrer.

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