Hospitais privados reduzem despesa com investigação, Norte lidera

Os resultados do último Inquérito ao Potencial Científico dão conta de uma descida acentuada do investimento em investigação feito por unidades hospitalares, mas sector público mantém liderança.

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São João, no Porto, está em primeiro lugar nas despesas com investigação Paulo Pimenta

Pela primeira vez desde 2015, os hospitais privados apenas contam com um representante na lista das 20 instituições hospitalares com mais despesa em actividades de investigação e desenvolvimento (I&D). É um dos resultados que se destacam da última edição do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional (IPCTN), com dados que reportam a 2022, que foi publicada na semana passada pela Direcção-Geral das Estatísticas da Educação e Ciência.

Dos três privados que marcavam habitualmente presença naquela lista, apenas o Grupo Luz Saúde continua presente, embora tenha descido do 3.º para o 5.º lugar entre 2021 e 2022. Esta descida de posto deve-se, sobretudo, a uma redução do investimento em I&D daquele grupo (passou de 8,921 milhões de euros para 5,384).

Outra mudança operada em 2022: as instituições do Norte substituíram as da Área Metropolitana de Lisboa (AML) na liderança do investimento em investigação clínica. A título de exemplo, em 2022, o Norte concentrou 44% das despesas nesta área, contra 37% da AML. No ano anterior, estes valores tinham sido, respectivamente, de 39% e 49%.

O Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, ocupa o primeiro lugar, como tem acontecido com frequência, tendo passado de um investimento em I&D de 9,510 milhões de euros em 2021 para 10,168 em 2022. Seguem-se-lhe o Centro Hospitalar Universitário do Porto, o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central e o Instituto Português de Oncologia de Lisboa.

No caso do Centro Hospitalar Universitário do Porto, registou-se também um reforço de verbas, o que já não aconteceu com as duas instituições de Lisboa, que tiveram reduções da ordem dos 20% e 4%, respectivamente.

As 20 instituições listadas na edição da DGEEC representaram, em 2022, “94% da despesa em I&D do conjunto das entidades hospitalares, e abrangeram 92% dos seus recursos humanos” em actividades de investigação e desenvolvimento.

No total do subsector hospitalar, a despesa nesta área rondou, em 2022, os 66 milhões de euros. No ano anterior, tinha subido a 76,3 milhões. De assinalar que, de um ano para o outro, se registou um corte nos recursos humanos afectos à investigação clínica nos hospitais, nomeadamente no número de investigadores, que passou de 729 para 628.

Esta não é uma área de somenos. Como descreveu o médico José Carlos Areias, num artigo que escreveu para o PÚBLICO, “a investigação clínica tem como objectivo a melhoria do conhecimento das doenças e o desenvolvimento de novas metodologias de diagnóstico e tratamento para um melhor cuidado dos doentes.” Ou seja, especificou, o que se pretende com esta actividade “é saber como podem os profissionais colectar a informação disponível, de modo a introduzir as mudanças necessárias na prática clínica, beneficiando os doentes”.

Investigação clínica está “subfinanciada”

Seguindo a classificação adoptada em 2007, os três principais domínios de investigação incluídos nesta área são a Medicina Clínica, que concentra a principal fatia dos recursos (65% em 2022), Ciências da Saúde (19%) e Medicina Básica (4%).

No primeiro figuram, entre muitos outros campos, medicina geral e interna, hematologia, endocrinologia, medicina de urgência ou cirurgia. As três unidades com maior despesa de investigação neste domínio, em 2020, foram o Centro Hospitalar Universitário do Porto, o Centro Hospitalar Universitário de São João e o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central.

No domínio das Ciências da Saúde enfileiram doenças infecciosas, epidemiologia, saúde pública e serviços (que inclui administração hospitalar e financiamento dos cuidados de saúde), entre vários outros. Os “campeões” são aqui o Centro Hospitalar Universitário de São João, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e o Grupo Luz Saúde.

Quanto à Medicina Básica, esta abrange, entre outras, áreas como a anatomia, genética, imunologia ou neurociências. À frente nas despesas de investigação estão os institutos de oncologia do Porto e de Lisboa e o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte.

Num artigo recente publicado na revista Acta Médica, um grupo de clínicos alertou para o “subfinanciamento” da investigação em Portugal, chamando também a atenção para “a impossibilidade de os investigadores clínicos terem tempo dedicado para a realização dos projectos”.

Como resultado, Portugal continua muito aquém de outros países europeus em áreas de relevo. Num artigo também escrito para o PÚBLICO, o médico Ricardo Matos frisou a este respeito: “Temos então nós capital humano e científico em abundância e qualidade para promover investigação clínica de excelência? Claro que temos e dos melhores, está é subaproveitado e encolhido.”

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