Palcos da semana: liberdades artísticas entre Sapiens e o poder
Nitin Sawhney traz Identity, enquanto se prepara a Liberdade - Portugal, lugar de encontros. Nas tábuas estão Ficções com Vera Holtz, a Fanga da Karnart e a estreia de Victor ou as Crianças no Poder.
Vera sapiens em evolução
É da ficção que conhecemos Vera Holtz. E é em Ficções que a reencontramos – as que temos andado a contar a nós próprios e as que vamos assumindo. O que a actriz brasileira vem propor, na peça que Rodrigo Portella escreveu para ela e que Federico Puppi musicou, é questionar a evolução do ser humano.
É um monólogo, mas está em diálogo permanente com outra outra obra: o best-seller Sapiens: História Breve da Humanidade, de Yuval Harari. Não é uma adaptação: é uma troca de ideias com o pensamento do historiador israelita, a partir de um lugar em que se “funde a ‘Vera viral’ (...) com a actriz, a mulher de 70 anos, cabelos brancos, sem filhos, que questiona: o que andamos a fazer com as nossas virtudes?”, detalha a nota de imprensa.
Em nome dessa reflexão, mergulha em divagações existencialistas, canta, interpela, improvisa, provoca, representa um pouco de tudo e de todos. E dá à conclusão o gesto optimista de quem ainda crê, como cita O Globo, que “o que faliu foram as narrativas e não a Humanidade”.
Karnart em Fanga
Da Fanga que Alves Redol escreveu nos anos 1940 – retrato neo-realista de exploração, assédio, miséria, iliteracia, assimetria social, violências várias – nasceu uma peça pelas mãos da Karnart. Ou melhor, uma “perfinst” (aglutinação de performance e instalação) em que a visão do autor se concretiza numa estética resgatada às gravuras que Manuel Ribeiro de Pavia criou para a edição de 1948.
Dirigida por Luís Castro e em colaboração com o artista plástico Vel Z, a companhia desenvolve a sua leitura entre “momentos de representação mais teatral ou expressionista” e uma “imensidão de estímulos e sugestões”.
É uma Fanga em forma de tríptico. O espectáculo a que o Porto vai assistir corresponde à segunda abordagem. Os primeiros passos foram dados em Dezembro, no Gabinete Curiosidades Karnart, aonde há-de voltar, entre 23 de Fevereiro e 24 de Março, para a terceira investida.
Liberdade 28
Alfredo Cunha, Ângela Ferreira, Gonçalo Mabunda, Graça Morais, Joana Vasconcelos, José de Guimarães, Keyezua, Vasco Araújo, Vhils e Yonamine estão entre os 28 artistas convocados para uma exposição que, a propósito dos 50 anos do 25 de Abril, “pretende dar voz à expressão artística propiciada pela conquista da liberdade” e à “multiplicidade de encontros” que ela desencadeou.
Com curadoria de João Pinharanda, Liberdade - Portugal, lugar de encontros reúne “olhares artísticos contemporâneos, oriundos dos países que se expressam oficialmente em língua portuguesa” e oferece, segundo a folha de sala, “peças de um puzzle que outros artistas completarão e que nós próprios somos chamados a completar”.
Identidade(s) de Sawhney
Há coisa de dois anos, Nitin Sawhney trouxe-nos Immigrants, um álbum sintonizado em questões sociais – tema que, de resto, tem marcado as suas produções. Agora, anda ocupado com Identity. Lançado no ano passado, o novo disco pode ter outro foco, mas não escapa à regra da observação consciente e interventiva.
Em causa está uma celebração da identidade, em jeito de oposição positiva face a um mundo em que as pessoas se tornam “tão vociferantes ao imporem os seus juízos e definições dos outros que muitas vezes se esquecem da nossa humanidade comum”, explica o músico inglês.
Sem surpresa, dado o eclectismo que sempre pautou a sua carreira, Sawhney afirma-a através da diversidade, seja em sons, referências ou nos cúmplices das canções: Natacha Atlas, Joss Stone e Lady Blackbird, mas também vozes de vítimas de violência doméstica e a participação do ex-futebolista e comentador Gary Lineker, afastado dos microfones da BBC por criticar a política do Governo britânico para a migração.
Criança ao poder
“Estou decidido a ser alguém e é já”, proclama o menino que há-de dinamitar convenções familiares e sociais com o seu olhar mordaz (mas pouco ou nada infantil) sobre as futilidades, obsessões e alienações dos adultos, em Victor ou as Crianças no Poder.
A peça-emblema do teatro surrealista, escrita pelo francês Roger Vitrac e estreada em 1928, é levada à cena numa co-produção dos Artistas Unidos e Os Possessos, segundo a tradução de Jorge Silva Melo, plena da ironia, subversão e sede de liberdade dessa criança que João Pedro Mamede, o encenador, descreve como “terrivelmente inteligente”.