Gigantesco espelho de plástico das estufas de Almería vê-se do espaço

A instalação de estufas na região conhecida por “Campo das Dalías” transformou Espanha no segundo país do mundo com mais área coberta de plástico. É das poucas construções humanas vistas do espaço.

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A 24 de Maio de 2022, o Operational Land Imager-2 (OLI) do Landsat 9 captou imagens de um mar de estufas de plástico na região de Almería NASA
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A 24 de Maio de 2022, o Operational Land Imager-2 (OLI) do Landsat 9 captou imagens de um mar de estufas de plástico na região de Almería NASA
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Imagem captada em 2023 por um dos satélites do programa europeu Copérnico mostra uma das poucas construções artificiais visíveis do espaço União Europeia/Copérnico, programa europeu de monitorização do clima e atmosfera
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Já vimos as estufas de Almería fotografadas e filmadas a poucas centenas de metros de altitude e as imagens recolhidas não deixam de nos causar perplexidade. No entanto, a uma distância de 21 mil quilómetros e a partir do espaço, aí sim, tem-se acesso a um ponto de observação incomparável: cerca de 40 mil hectares de estufas instaladas numa língua de terra banhada pelo mar Mediterrâneo e com fraca aptidão agrícola. Imagens da agência espacial norte-americana (NASA) publicadas em 2022 e outra mais recente, captada em 2023, por um dos satélites do programa europeu Copérnico mostram uma das poucas construções artificiais visíveis a partir do espaço.

Alguns, como o astronauta espanhol Pedro Duque, admitem mesmo que a partir da Estação Espacial Internacional (ISS) se torna visível a actividade humana apenas “no campo de estufas no Sul de Almería”, frisando que a observação só é possível “devido à grande extensão do plástico que cobre as estufas” e, consequentemente, “à sua grande capacidade reflectora da luz solar”.

Mar de estufas

Numa publicação da NASA de há quase dois anos, sobre “O mar de estufas em Almería”, a agência espacial já recordava que estas instalações “cobrem uma área tão grande que provavelmente até causam um efeito de arrefecimento localizado, porque a cobertura branca das estufas reflectem uma quantidade substancial de luz solar”.

©Tom Hegen
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Com efeito, no dia 24 de Maio de 2022, o Operational Land Imager 2 (OLI-2) a bordo do satélite Landsat 9 captou imagens da maior concentração de estufas do planeta. Desde os anos 70 do século passado que a NASA recolhe imagens eloquentes da evolução das culturas em estufa no “Campo de Dalías”. Até à década de 1950, dominava um solo árido e desértico que recebia uma média de 200mm de chuva por ano, propiciando o cenário ideal para a realização de filmes western spaghetti.

Em Julho desse ano, inspirado pelas imagens de satélite, o fotógrafo alemão Tom Hegen publicava uma série de fotografias dessta região. “A perspectiva revelava uma superfície totalmente branca, como se existisse neve na costa mediterrânica espanhola. Quando olhei em detalhe, percebi que o que estava a ver era um mar de folha de plástico utilizada para construir estufas.”

No entanto, as estufas de Almería não serão a única acção humana visível, a olho nu, a partir do espaço: a mina de cobre de Bingham Canyon, a sudeste de Salt Lake City (EUA), que implicou a maior escavação humana do mundo em extensão e profundidade e também a barragem das Três Gargantas, no rio Yangtze, na China, terão sido observadas a partir da ISS.

O texto divulgado pela NASA sobre a observação das estufas de Almería destaca que estas infra-estruturas agrícolas são um fenómeno relativamente novo. Entre as décadas de 1950 e 1960 os agricultores que tinham as suas pequenas explorações no “Campo das Dalías” começaram a fazer experiências “adicionando camadas de areia e cobertura de manta morta ao solo estéril”, cobrindo-o com tela plástico para o proteger e às culturas plantadas dos ventos marítimos. E, surpreendentemente, deram conta que o cultivo sob plástico “era muito mais produtivo do que o cultivo ao ar livre, porque os solos permaneciam mais quentes e retinham mais humidade”.

A utilização de estufas espalhou-se rapidamente nas décadas seguintes, à medida que a irrigação gota a gota, a utilização artificial do solo e a hidroponia foram inovando as práticas culturais, factores que vieram aumentar o rendimento das colheitas. Assim, num território semiárido escassamente povoado, ocorreu uma inesperada reforma agrária que transformou Almería numa potência agrícola, depois de ter adequado as condições naturais à inovação tecnológica que surgira de forma célere e oportuna; porém, continuava a ser preciso, por razões económicas, recorrer ao improviso para rentabilizar a produção em estufa.

Como durante os meses de Verão a ventilação natural não é suficiente para extrair o excesso de energia das estufas, os agricultores têm de branquear o plástico, pintando-o com cal, para reduzir os efeitos da incidência solar no excesso de aquecimento e humidade nas culturas em crescimento no seu interior. No final de Agosto, a camada de cal é removida para permitir a temperatura suficiente no interior das estufas, criando assim condições para prosseguir com as culturas de Inverno e Primavera.

Imagens do território ocupado por estufas em 1984 na região de Almería NASA
Imagens do território ocupado por estufas em 1999 na região de Almería NASA
Imagens do território ocupado por estufas em 2010 na região de Almería NASA
Imagens do território ocupado por estufas em 2022 na região de Almería NASA
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Imagens do território ocupado por estufas em 1984 na região de Almería NASA

A informação do Ministério da Agricultura, Pescas, Águas e Desenvolvimento Rural do Governo da Andaluzia, através do Observatório de Preços e Mercados, relativa à campanha 2021/2022, evidencia a importância e o peso económico das estufas de Almería.

A área cultivada ao longo do ano foi de 47.911 hectares, e produziu 3494,83 milhões de quilos de vegetais e frutos, no valor de 2786,95 milhões de euros. O volume de produção (pimento, tomate, abóbora, beringela, feijão verde, melancia, melão, abacates, kiwis ou mangas) que foi exportado na maior parte para a Alemanha, França e Reino Unido atingiu os 2319,23 milhões de quilos. A campanha 2020/2021 correspondeu a 2954,48 milhões de euros, um rendimento que superou em 19% o da campanha anterior.

Um estudo realizado em 2018 pela Rabobank, multinacional bancária sediada na Holanda, sobre horticultura em estufas calculou que em Almería existiriam mais de 30 mil hectares dedicados à produção de frutas e hortaliças em estufas permanentemente. Aproximadamente cerca de 70 mil hectares estão distribuídos por toda a Espanha, o que torna o país o segundo do mundo em extensão de área coberta com polietileno, atrás da China, com 82 mil hectares.

Imagens do território ocupado por estufas em 2022 na região de Almería NASA
Imagens do território ocupado por estufas em 1984 na região de Almería NASA
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Imagens do território ocupado por estufas em 2022 na região de Almería NASA

A nível mundial, a utilização de plástico na agricultura mereceu um relatório elaborado pela Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas e publicado em 2023 sobre Avaliação de Plásticos Agrícolas e a sua Sustentabilidade. Chama a atenção para o panorama actual decorrente da utilização de plásticos na agricultura.

Em 2019, a indústria de plástico agrícola previa que a procura global para a cobertura de estufas, do solo e ensilagem aumentou em 50% em relação às 6,1 milhões de toneladas em 2018 e estima-se que poderá atingir as 9,5 milhões de toneladas em 2030.

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