Zelensky terá demitido o comandante das Forças Armadas da Ucrânia… e voltado atrás
Cúpula militar e aliados internacionais terão convencido o Presidente ucraniano a manter Zaluzhny. Zelensky critica narrativa do general de que a situação na frente de batalha chegou a um impasse.
As relações entre o poder político e o poder militar na Ucrânia atravessam um dos momentos mais tensos desde o início da invasão russa do país, há quase dois anos, depois de várias fontes do Governo e do Exército terem dito à imprensa local e a alguns jornais britânicos e norte-americanos que o Presidente, Volodymyr Zelensky, informou na segunda-feira o comandante das Forças Armadas, Valery Zaluzhny, que estava demitido, alegadamente por não gostar de o ouvir admitir que o conflito no terreno se encontra numa fase de impasse.
Segundo o Times, que cita três fontes, o general terá recusado apresentar a demissão, mas Zelensky insistiu, dizendo que ia assinar um decreto presidencial a oficializar a decisão. De regresso ao seu gabinete, Zaluzhny confirmou aos seus “vices” que tinha sido afastado e que ia “arrumar as suas coisas”.
Nesta quarta-feira, o diário britânico escreve ainda que Zelensky ofereceu o cargo do general a Kyrylo Budanov, responsável pelo departamento dos serviços secretos das Forças Armadas, e a Oleksandr Syrsky, comandante das forças terrestres ucranianas, e que ambos o rejeitaram.
Depois, por pressão de outros membros da cúpula militar do país e de responsáveis militares dos Estados Unidos e do Reino Unido, que deram conta dos efeitos negativos desta decisão para as operações no terreno, o Presidente acabou por se ver forçado a voltar atrás e a manter Zaluzhny na chefia das Forças Armadas.
“Zelensky tem de perceber que o Exército confia em Zaluzhny e, se o Presidente quer que o Exército confie em si, também tem de aprender a confiar em Zaluzhny”, disse ao Times uma pessoa próxima do general, que acusa os conselheiros de Zelensky de lhe terem “preparado um banho quente”, a partir do qual, argumentam, “é difícil olhar para a realidade que está à sua frente”.
O Presidente e a sua equipa não terão gostado de ouvir Zaluzhny admitir, em entrevista com a revista Economist, em Novembro do ano passado, que a situação na frente de batalha estava num beco sem saída, dando a entender que a contra-ofensiva lançada no Verão não tinha alcançado os objectivos a que se propusera, e que, por isso, era preciso mais ajuda do Ocidente para a Ucrânia poder romper as linhas russas.
A linha da frente estende-se, por esta altura, por mais de mil quilómetros, no Leste do território, e ameaça congelar durante um tempo indeterminado.
“Toda a gente está cansada, independentemente do seu estatuto. E temos opiniões diferentes. Mas não se trata de um impasse”, reagiu, na altura, Volodymyr Zelensky, citado pelo Guardian.
Desde aí, dizem fontes militares, o Presidente e os seus conselheiros têm criticado o discurso “realista” do general, defendendo uma postura mais “optimista” em relação ao futuro do conflito a curto e médio prazo. Por outro lado, também não gostaram de ouvir o general criticar a política de recrutamento.
O Presidente ucraniano também não terá ficado muito satisfeito com os resultados de uma sondagem que o jornal ucraniano online Kyiv Independent divulgou, em Dezembro, e que diz que foi “alegadamente encomendada” pelo gabinete presidencial, que mostrava que, num hipotético cenário de uma segunda volta de umas eleições presidenciais no país, Zelensky só conseguiria bater Valery Zaluzhny por uma curta margem de dois pontos percentuais.
O general já foi questionado sobre as suas ambições políticas, mas tem garantido sempre que está apenas focado em derrotar a Federação Russa e em expulsar as suas tropas do território ucraniano.
Esta polémica surge poucos dias depois de os serviços secretos da Ucrânia terem revelado que desmantelaram mais um esquema de corrupção que envolve antigos e actuais funcionários do Ministério da Defesa.
Quem assiste, naturalmente, com bons olhos a este braço-de-ferro é a Rússia. Esta quarta-feira, Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, afirmou que é “óbvio que o regime de Kiev está com imensos problemas e que as coisas não estão a correr bem por lá”.
“É óbvio que a contra-ofensiva fracassada e os problemas na linha da frente estão a levar a cada vez mais contradições entre os representantes do regime de Kiev”, insistiu, citado pela Reuters. “Estas contradições irão continuar a aumentar enquanto a operação militar especial continuar a ser bem-sucedida”, acrescentou, utilizando a expressão que Moscovo costuma usar sempre que se refere à invasão do território do seu vizinho.