Organizadores contestam em tribunal proibição de manifestação anti-islâmica em Lisboa

Promotores do protesto “Contra a Islamização da Europa”, que foi proibido pela Câmara de Lisboa, dizem estar em causa o direito de manifestação.

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Movimento de extrema-direita anunciou protesto anti-islâmico na Mouraria, em Lisboa Nuno Ferreira Santos
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Os promotores de um protesto anti-islâmico previsto para 3 de Fevereiro na zona da Mouraria, em Lisboa, apresentaram uma “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, exigindo a revogação da proibição decretada pela Câmara de Lisboa. Os organizadores da manifestação “Contra a Islamização da Europa” pedem à justiça a protecção do seu direito de manifestação.

Na acção, assinada pelo militante de extrema-direita Mário Machado, os organizadores referem ainda o anúncio de uma contramanifestação por parte de activistas anti-racistas e citam a lei em vigor, de 1974, referindo que “compete às autoridades o dever de tomar as necessárias providências para que as manifestações decorram sem a interferência de contramanifestações que possam perturbar o livre exercício dos participantes”.

No seu pedido inicial, de 12 de Dezembro de 2023, os promotores da manifestação anti-islâmica alegavam que o protesto seria pacífico: “usaremos sempre o passeio (em percurso pedonal), pelo que não existe a necessidade de impedir a circulação de viaturas”, lia-se no documento. O grupo frisa que não pretendia “causar qualquer constrangimento”.

Na resposta final, a autarquia remeteu para o parecer da PSP a responsabilidade da decisão: “É entendimento da PSP que ‘não deverá ser autorizada a realização da manifestação seguida de desfiles nos moldes’”, pode ler-se da carta enviada pela câmara aos promotores, citada no recurso de Mário Machado.

O grupo responsável pelo protesto indica que irá protestar na data prevista, noutra zona da capital por anunciar, caso não obtenha luz verde do tribunal.

Mário Machado, que é ex-dirigente da Frente Nacional, esteve preso por sete anos. Foi condenado por crimes de roubo, sequestro, ameaça, coacção e posse ilegal de arma. No ano passado, o nacionalista foi acusado de incitamento à violência sexual, em resultado de uma troca de mensagens publicadas na rede social X.

Também em 2023, o militante neonazi viu chegar ao fim o processo que o opunha ao activista anti-racista Mamadou Ba, que foi condenado a uma multa de 2400 euros por ter difamado Mário Machado nas redes sociais. Mamadou Ba referiu-se a Machado como "uma das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro" em 1995.

Na noite de 10 de Junho de 1995, Dia de Portugal, Alcindo Monteiro, com ascendência cabo-verdiana, foi espancado até à morte por nacionalistas de extrema-direita. Quando ocorreu o homicídio, Mário Machado estava no Bairro Alto, onde, juntamente com outros nacionalistas de extrema-direita, munidos de soqueiras, garrafas partidas e botas de biqueira de aço, protagonizou actos de violência contra vários cidadãos negros.

A justiça condenou-o a dois anos e meio de cadeia por cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, tendo ficado provado que bateu na cabeça de uma das vítimas, espancada até perder os sentidos, com “um pau semelhante a um taco de baseball”. Porém, não fez parte do grupo de 11 sentenciados pelo homicídio.

Lei obriga a comunicar manifestações

A lei que regula o directo de reunião e manifestação data de Agosto de 1974 e, desde então, sofreu uma única alteração para retirar a referência ao governador civil e passar a ter o presidente de câmara como a entidade a quem as entidades promotoras das manifestações têm de avisar por escrito e com a antecedência mínima de dois dias úteis a realização do evento.

De acordo com este decreto-lei, as autoridades podem, “por razões de segurança, impedir que se realizem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos situados a menos de 100 metros das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos”.

Num parecer pedido pelo Governo ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre actuação de presidentes de câmara ao receberem avisos prévios de manifestação, em 2021, este órgão refere que compete ao presidente da Câmara Municipal “em casos extremos proibir determinada reunião, manifestação, comício, desfile ou cortejo, dentro dos pressupostos e requisitos muito estritos”.

Ainda em 2021 e após as polémicas sobre um pedido de manifestação de adeptos do Sporting para comemorar o título de campeão português de futebol, numa altura em que existiam restrições devido à covid-19, o ministro da Administração Interna da altura, Eduardo Cabrita, anunciou que o Governo ia rever a lei sobre o exercício do direito de reunião e manifestação, mas tal não se concretizou.

Assembleia Municipal repudia manifestação, com abstenção do Chega

Também esta terça-feira, a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou, com a abstenção do Chega, um voto de repúdio à manifestação “Contra a Islamização da Europa”.

Por proposta dos deputados independentes dos Cidadãos Por Lisboa (eleitos pela coligação PS/Livre), subscrita por BE e Livre, a assembleia decidiu “repudiar e condenar toda e qualquer manifestação de carácter violento, racista ou xenófobo em Lisboa, afirmando a tradição intercultural e de tolerância da cidade”.

O voto de repúdio “a manifestações de carácter violento, racista e xenófobo” foi viabilizada por maioria, com a abstenção do grupo municipal do Chega e os votos a favor dos restantes deputados.

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