Todos os partidos políticos têm de ser claros sobre o acesso dos emigrantes ao SNS

É o momento de os partidos evitarem que o voto do terceiro maior círculo eleitoral, o da emigração com mais de 1,5 milhões de eleitores, seja um voto informado, e não desprezado como em 2022.

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A discussão sobre a possibilidade de os emigrantes verem cancelado o seu pleno acesso a cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS) português enquanto cidadãos portugueses está na agenda política desde que o SNS começou a realizar uma actualização dos Registo Nacional de Utentes (RNU). O actual ministro da Saúde em gestão esforça-se por dissipar os receios dos emigrantes, mas os técnicos do SNS asseguram que a residência no exterior irá automaticamente eliminar estes utentes do RNU.

Este tema é grave para os emigrantes por diversos motivos e este é o momento para os diversos partidos afirmarem as suas opções políticas para que o voto do terceiro maior círculo eleitoral português, o círculo da emigração com mais de 1,5 milhões de eleitores em 2022, seja um voto informado, e não desprezado como nas legislativas de 2022. É imperativo garantir uma solução política em forma de programa eleitoral, e evitar decisões burocráticas de um conjunto de gestores economicistas.

Declaração de interesse, o autor destas linhas é emigrante e utente do SNS.

Portugal é um país de emigrantes, com sucessivas vagas de emigração, das quais a mais recente pós-2011 é uma das mais significativas. Como se vê no Gráfico 1, desde 2011 o rácio de emigrantes permanentes adultos em idade laboral (30 a 64 anos) e seus dependentes (menores de 18 e maiores de 65) por emigrantes permanentes em idade laboral jovens (18 a 29 anos) é sempre superior a 1,2 (apesar de estar a diminuir); esta vaga de emigrantes não foi dominada por “jovens emigrantes” em busca de um primeiro emprego ou de experiência mas sim por emigrantes com mais de 30 anos, já com dependentes menores (e talvez alguns dependentes ascendentes), que decidiu emigrar maioritariamente porque nas últimas duas décadas a conjuntura económica em Portugal os obrigou a buscar trabalho ou salários correspondentes às suas necessidades financeiras ou expectativas de carreira, ambos bastante indisponíveis em Portugal.

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Os emigrantes portugueses seguem ligados a Portugal de várias maneiras, uma delas como contribuintes externos para a economia, transferindo anualmente alguns milhares de milhões de euros em remessas depositadas em bancos portugueses ou investidas em activos de algum tipo (imobiliário ou empresarial). Estas remessas são importantes pois não são empréstimos e não correm risco de serem devolvidas (como os fundos europeus) e alavancam efectivamente a economia, ao dar uma pequena mas significativa contribuição para a banca portuguesa ter liquidez para financiar a economia.

O Gráfico 2 mostra como o saldo de remessas dos migrantes (remessas de emigrantes menos remessas de imigrantes) é maior desde 2016 que o saldo das remessas da União Europeia (fundos recebidos menos contribuições portuguesas para os orçamentos da UE). O saldo das remessas dos migrantes também tem uma estabilidade bem maior e em crescimento, contrastando com as incertezas associadas aos fundos europeus, renegociados a cada seis anos.

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Essa ligação dos emigrantes ao país tem outras vertentes, uma das quais, e bem importante, é a possibilidade, consagrada na lei, dos emigrantes terem assistência médica completa no SNS.

A maioria dos emigrantes pós-2011 saíram do país já depois de viverem e contribuírem, alguns durante largos anos, em Portugal. Seguramente a maior parte com médico de família, com tratamentos feitos ou em curso, com vontade de seguir tendo acesso à qualidade que o SNS providencia. Do lado do SNS houve também um esforço para manter estes doentes, sendo conhecido o empenho de médicos de família em manter consultas com estes doentes emigrados.

Ao retirar esta ligação o Estado dará vários passos atrás na relação com os emigrantes. E colocará os emigrantes naquilo que os ingleses chamam um double whammy: serem discriminados no SNS por serem emigrantes e hostilizados nos países de acolhimento por supostamente entupirem os respectivos SNS como imigrantes. Os problemas do SNS português, como em outros países, são de sub ou incorrecto financiamento, organizacionais, de atractividade/retenção de técnicos e de qualidade, não de excesso de utentes.

Não se pode pedir aos emigrantes que continuem ligados ao país se o Estado lhes retira direitos enquanto portugueses. Isto leva a outras discussões, longas e na verdade inconsequentes em Portugal, sobre o papel e a voz dos emigrantes na participação na vida pública portuguesa.

Se cortarem ou dificultarem ou acesso ao SNS aos emigrantes, seguramente cortam uma das boas razões para ter vontade de voltar um dia, transferir as poupanças agora e, definitivamente, tentar ter uma voz votando.

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