Foi assim que Rafael Castanhas terminou o puzzle de A Mandíbula de Caim em dez dias

O jovem, que chegou a passar mais de 13 horas por dia resolver o mistério do livro, foi o primeiro português a consegui-lo e vai receber o prémio de mil euros.

Foto
Rafael Castanhas foi o primeiro português a resolver o enigma DR
Ouça este artigo
00:00
04:48

Foi há cerca de um ano que a versão portuguesa de A Mandíbula de Caim chegou às livrarias. O quebra-cabeças criado por Edward Powys Mathers (mais conhecido como “Torquemada”), em 1934, podia ser resolvido até ao dia 31 de Dezembro – a valer um prémio de mil euros. Houve 67 pessoas a tentar ganhá-lo, mas apenas 16 conseguiram resolver o puzzle com sucesso, de acordo com a editora LeYa. Rafael Castanhas, 23 anos, da vila do Couço, em Santarém, foi o primeiro. Demorou apenas dez dias a submeter a sua resposta.

Há alguns factores que explicam a rapidez. Rafael já conhecia a versão em inglês do livro e até já tinha tentado ordenar algumas páginas antes de ter nas mãos a versão traduzida. No dia em que foi lançado, a 24 de Janeiro, decidiu comprá-lo para “testar” os seus limites.

Inicialmente, dedicava-se a ele depois do trabalho. Na altura, trabalhava no sector da restauração e gastava cinco a seis horas por dia com a Mandíbula. Chegava do trabalho e mergulhava logo no livro. Jantava, ia tomar café e, depois, continuava com ele noite dentro. Quando se viu impedido de trabalhar – por causa de “uma lesão no joelho” –, passou a dedicar-lhe ainda mais tempo: “Eram sempre 13 a 14 horas por dia”, conta ao P3. Era “dia e noite, noite e dia” agarrado ao puzzle.

Foram os poemas, a pontuação das páginas, as personagens e os locais descritos que o ajudaram a resolver o enigma. Também a própria escrita tinha em si alguns indícios. “Li a primeira, a segunda e a terceira vez, e comecei a perceber que existiam vários narradores e que havia diferentes estilos de escrita e de narrativa”, explica Rafael.

Admite que consultar a obra original também facilitou o processo – por exemplo, “era mais fácil” entender “algumas referências [da época]”, quando estavam escritas em inglês. Ainda assim (e sem spoilers) foi a organização por capítulos, em função dos diferentes narradores que foi identificando, que o aproximou mais da resolução.

Foto
Rafael foi fotografando o processo DR

Tudo isto fez parte de um processo metódico. Tal como se vê nos filmes (e em vários vídeos no TikTok feitos pela comunidade de leitores que embarca na tarefa de tentar resolver o quebra-cabeças), também Rafael separou as folhas, colou-as na parede, usou fios para interligar os dados.

Apesar da dificuldade, nunca pensou desistir. Na verdade, foram os contratempos que o motivaram a continuar. Diz que a parte mais complicada era “ter de abdicar de [uma linha de] pensamento que fazia todo o sentido”. Era “frustrante” estar a “seguir uma lógica”, perceber que estava errada, apagá-la “completamente da mente e ter de ler aquilo de forma totalmente diferente”.

“Por trás do livro está um escritor, está alguém que teve um pensamento lógico”, lembra. “Há uma lógica, por mais difícil que seja, há sempre uma lógica.” Estes foram alguns dos mantras que Rafael foi repetindo para conseguir terminar o desafio. E, quando o fez, “tinha a certeza” [do que tinha feito], mas a incerteza [continuava] a ser enorme”.

Para comprovarem que tinham completado o enigma, os participantes tinham de preencher os dados de um formulário que vinha logo no início do livro. Para além do nome e contactos, era preciso revelar a ordem das páginas, o nome dos seis assassinos e dos seis assassinados e acrescentar uma nota sobre o método para resolver puzzle. Depois disso, era só tirar uma foto e enviar tudo para a editora.

Depois de submeter a resposta, a 2 de Fevereiro de 2023, só queria descobrir se tinha acertado. “Já não estava interessado no prémio monetário, só queria saber”, admitiu Rafael.

Contudo, teve de esperar quase um ano – só este mês é que teve a certeza de que tinha descoberto a chave para o mistério (e que, além disso, tinha sido o primeiro). “É bom estar no grupo pequeno de pessoas que o conseguiu fazer, é sempre um sentimento de conquista.”

Por ser o primeiro a descodificar o puzzle literário, o jovem vai ser premiado com mil euros. Foi o que aconteceu também em 1934, quando o primeiro leitor conseguiu resolver o mistério e recebeu 15 libras pelo feito – uma tradição mantida pela LeYa.

“Houve imensa gente que se interessou pelo concurso, mas que foi desistindo”, disse Jorge Prata, editor da LeYa ao P3. Até ao último dia do concurso, houve quem tentasse submeter as suas resoluções. No total, foram 67 participações – 50 de mulheres e 17 de homens, acrescentou.

Edward Powys Mathers escreveu A Mandíbula de Caim em 1934, mas foi com a reedição da editora britânica Unbound, publicada em 2019, que o quebra-cabeças se tornou um fenómeno mundial. A nova versão levou os leitores a partilhar nas redes sociais as suas tentativas de resolução do enigma – e tornou-se viral.

Texto editado por Inês Chaíça

Sugerir correcção
Comentar