Fujitsu admite “obrigação moral” de compensar vítimas do escândalo dos Correios britânicos

Software defeituoso da empresa japonesa fez centenas de trabalhadores da Post Office serem condenados por roubo e fraude entre 1999 e 2015. Primeiro-ministro britânico prometeu reverter condenações.

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Sede da Fujitsu na cidade inglesa de Bracknell Reuters/PETER NICHOLLS
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A empresa japonesa Fujitsu, responsável pelo sistema de software defeituoso que esteve na origem da condenação de centenas trabalhadores do serviço postal público britânico entre 1999 e 2015, admitiu, pela primeira vez desde que o escândalo rebentou, há mais de duas décadas, que tem a “obrigação moral” de contribuir para a compensação financeira das vítimas.

Em declarações a uma comissão parlamentar de inquérito na Câmara dos Comuns de Westminster, em Londres, Paul Patterson, director da sucursal europeia da empresa de tecnologia asiática assumiu que a Fujitsu estava a par dos problemas do software Horizon, e que, ainda assim, ajudou a cúpula executiva da Post Office Limited a processar os funcionários suspeitos de roubo e desvio de fundos.

“A Fujitsu gostaria de pedir desculpa pela sua participação neste erro judicial terrível. Estivemos envolvidos desde o início. Tínhamos bugs e erros [no Horizon] desde o início e ajudámos a Post Office a processar os sub-postmasters”, revelou Paterson.

“Acho que existe uma obrigação moral de a empresa contribuir”, afirmou, sublinhando, ainda assim, que “há muitas partes envolvidas nesta farsa”, e dizendo que o valor exacto do contributo da Fujitsu para as indemnizações (que se calcula que atinjam um valor total próximo dos 1,16 mil milhões de euros) só poderá ser definido após a divulgação dos resultados da investigação requerida em 2020 pelo Governo.

Mais de 700 chefes de postos de correio (referidos como sub-postmasters) da empresa pública britânica foram injustamente condenados por roubo, fraude e falsificação de contabilidade financeira porque, durante anos, o software Horizon mostrou, de forma incorrecta, que faltava dinheiro nas contas bancárias de várias secções postais do Reino Unido.

Em 16 anos, houve mais de 900 condenações associadas a este escândalo e só 93 condenações foram anuladas – as primeiras em 2021, depois de a Post Office ter admitido, dois anos antes, a ocorrência das falhas informáticas e ter dado conta da sua disponibilidade para indemnizar as vítimas.

Entre aqueles que foram condenados, alguns cumpriram penas de prisão. Houve casos de despedimentos, de falência, de discriminação social e familiar e há relatos de suicídios. Alguns, mais idosos, morreram, entretanto.

Série de televisão

O tema regressou em força ao debate público britânico no início deste ano à boleia da série televisiva Mr. Bates vs. The Post Office, da ITV.

A primeira consequência do programa, que tem batido recordes de assistência, foi uma petição, assinada por mais de um milhão de pessoas, que levou Paula Vennels, antiga directora da empresa postal, a renunciar a uma condecoração atribuída pelo Estado.

Depois, o próprio primeiro-ministro conservador, Rishi Sunak, prometeu uma proposta de lei para reverter as condenações e indemnizar as vítimas, abrindo um precedente que muitos juristas britânicos consideram perigoso, por se tratar do poder político a reverter decisões tomadas pelos tribunais.

Em declarações aos deputados, nesta terça-feira, Nick Read, actual director da Post Office, revelou que a empresa chegou a abrir entre 55 e 75 processos por ano a funcionários que considerava suspeitos de desvio de fundos.

“É um número absolutamente extraordinário”, que, segundo Read, devia ter feito soar campainhas junto da cúpula da Post Office e questionado: “O que é que se está a passar?”

Nenhum dirigente de topo da Post Office foi responsabilizado no âmbito deste escândalo, que, segundo o primeiro-ministro é “um dos maiores erros judiciais da História” do país. E mesmo os que viram as suas condenações revertidas e tentaram obter uma indemnização, depois de provado que o Horizon era defeituoso, viram-se atolados em procedimentos burocráticos.

“Senti-me novamente tratada como uma criminosa”, admitiu Joe Hamilton, uma das vítimas do escândalo, aos deputados.

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