Diana Buttu: “Pagámos um preço muito alto pela nossa liberdade, por nos defendermos da brutalidade de Israel”

Genocídio — a palavra será dita nos próximos dias no Tribunal Internacional de Justiça. “Israel quer deixar as crianças palestinianas sem futuro”, acusa a advogada.

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Fumo depois de uma explosão em Gaza REUTERS/Amir Cohen
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Trinta mil mortos confirmados depois — entre os quais mais de 11 mil crianças — , o Estado de Israel senta-se no Tribunal Internacional de Justiça, onde se defenderá da acusação de genocídio avançada pela África do Sul. Após a eclosão da Segunda Intifada, em finais de 2000, Diana Buttu começou a participar em negociações de paz entre organizações israelitas e palestinianas. Já foi porta-voz da Organização para a Libertação da Palestina e mantém-se activa como analista política no Instituto para a Compreensão do Médio Oriente, com trabalho na universidades norte-americanas de Stanford e de Harvard. O PÚBLICO conversou uns minutos com a advogada palestiniano-canadiana, que acredita que “algo tem que sair” deste julgamento. “Porque pagámos um preço muito alto pela nossa liberdade, por nos defendermos da brutalidade de Israel. Espero que este seja o nosso ano.”

Até ao fim do ano, e segundo a Euro-Med Human Rights Monitor, entre os 30.034 mortos em Gaza, 11.833 são crianças. E um novo acrónimo criado em Gaza: WCNSF— wounded child no surviving family (criança ferida sem família sobrevivente). Porque é que as crianças são protagonistas desta ocupação?
Em relação às crianças, há muito a ser dito. Cinquenta por cento da população de Gaza está abaixo dos 18 anos de idade. Temos que entender que todas as pessoas são alvo para Israel e que cerca de 50 por cento dos mortos são crianças palestinianas. A principal razão para Israel estar a fazer isso é porque Israel quer matar o máximo possível de palestinianos e ao mesmo tempo deixar as crianças palestinianas sem futuro. Essa é a essência de um genocídio. Não é surpreendente vermos a categoria wounded child no surviving family e claro que veremos todos os que serão afectados pela próxima vaga, a fome, a diarreia e a doença. Os mais afectados serão naturalmente as crianças. E os idosos. Claro que tudo isto é ilegal. E é por isso que temos visto tantos organismos nacionais e internacionais aplicarem a sua energia a tentar combater estas circunstâncias. Apesar de tudo, nem Israel nem o mundo parecem importar-se.

A prisão administrativa é uma das grandes armas de Israel?
É uma das armas. Não é a maior, é uma. O que quero dizer com isso? A prisão administrativa é um mecanismo através do qual os israelitas podem pegar numa pessoa, prendê-la e mantê-la na prisão até seis meses renováveis uma e outra vez, indefinidamente, enquanto um juiz o permitir a cada seis meses. A prisão administrativa é uma ferramenta que tem sido usada com muita regularidade contra adultos, mas principalmente contra crianças. Na verdade, é a primeira ferramenta que Israel usa para expor principalmente as crianças ao sistema prisional israelita. Continua a ser praticado porque há muito pouca supervisão judicial. É raro assistir a casos em que a prisão administrativa é anulada. Dá a Israel carta-branca, um cheque em branco para fazer o que quer fazer. Não são coisas pontuais. Acontece com muita regularidade e normalmente prolonga-se por muitos e muitos anos. São crianças que vão ter que viver com estas cicatrizes o resto das suas vidas.

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Diana Buttu DR

Qual é a situação das crianças na Cisjordânia? Há aulas, por exemplo?
As crianças na Cisjordânia vão à escola. Não estão a ser directamente afectadas por tudo o que está a acontecer. Claro que todos vemos as imagens e todos somos afectados.

E o impacto da proibição de dar emprego a palestinianos em Israel?
A sanção está a fazer cair a economia palestiniana. Não só a proibição de os israelitas empregarem palestinianos, mas sobretudo a proibição de os palestinianos circularem livremente na Cisjordânia e de circularem entre cidades. Tem sido, por exemplo, impossível circular entre Ramalhah e Nablus. Impossível.

Teremos Israel sentado no Tribunal Internacional de Justiça. O que podemos esperar a partir daí?
De um modo resumido, e porque todo o processo é complexo, de forma a provar genocídio é preciso duas coisas: mostrar a intenção e fazer prova dos actos. A intenção já foi declarada por quase todos os principais líderes israelitas, o Presidente, o primeiro-ministro, o ministro da Defesa, o ministro das Infra-Estruturas, o ministro do Património... Todos já fizeram declarações genocidas. E esse é normalmente a parte difícil de se provar. A outra parte tem a ver com a acção. E aí nós já vimos de tudo, desde o corte de combustíveis e do abastecimento de bens essenciais, comida, água e medicamentos como forma de matar à fome a população de Gaza. Também não permitiram a entrada de qualquer tipo de abastecimento desde o Sul. Israel atingiu 350 mil casas — cerca de 60 por cento da habitação do território palestiniano — e praticamente terraplenou o Norte. Atingiu objectivamente hospitais, universidades, locais de culto... Matou mais de um por cento da população. Tudo isto encaixa na ideia de genocídio.

Tem assistido a alguma pressão por parte dos Estados Unidos para que Israel abrande as hostilidades?
Não. Espero que essa pressão surja por parte do Tribunal Internacional de Justiça através de uma decisão provisória para que Israel pare com os bombardeamentos. Algo tem que sair disto. Porque pagámos um preço muito alto pela nossa liberdade, por nos defendermos da brutalidade de Israel. Espero que este seja o nosso ano.

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