Mário Zagallo (1931-2024): “ídolo gigante, patriota”, “o professor” do futebol brasileiro

Conhecido como “o professor”, Zagallo teve um papel fundamental em quatro dos cinco títulos mundiais da selecção brasileira. Tinha 92 anos.

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Mário Zagallo, beija a taça do campeonato sul-americano de futebol, Bolívia, 1997 Reuters/Enrique Marcarian

Mario Zagallo, que venceu quatro títulos mundiais pelo Brasil como jogador ou técnico, incluindo o Mundial de 1970 — edição por muitos considerada a melhor de todos os tempos —, morreu na madrugada deste sábado, 6 de Janeiro, aos 92 anos.

A notícia foi anunciada na conta oficial do ex-futebolista no Instagram, numa publicação em que Zagallo é descrito como "um pai devotado, avô amoroso, sogro carinhoso, amigo fiel, profissional vitorioso e um grande ser humano". "Ídolo gigante. Um patriota que nos deixa um legado de grandes conquistas", refere a publicação.

Zagallo estava internado há vários dias num hospital do Rio de Janeiro, mas não se sabe ainda qual terá sido a causa da morte.

Apelidado de "o professor", teve um papel fundamental em quatro dos cinco títulos mundiais da "canarinha". Defesa esquerdo duro e talentoso, Zagallo jogou na equipa que ganhou o primeiro título mundial para o Brasil, em 1958, uma façanha que voltaria a conquistar quatro anos depois.

Em 1970, treinou a equipa brasileira que contava com muitos dos maiores nomes do futebol de todos os tempos, como Pelé, Jairzinho, Rivellino e Tostão — aquela que muitos consideram a maior selecção nacional em campo, que viria a dar a terceira vitória num mundial ao Brasil, no México. Esta conquista tornou Zagallo na primeira pessoa a vencer um Mundial como jogador e técnico.

No total, como jogador, conquistou dois troféus: em 1958, na Suécia, e em 1962, no Chile. Do banco, conduziu a selecção brasileira ao título no México, em 1970, e foi coordenador técnico na conquista do título de 1994, nos Estados Unidos.

Além do brasileiro, apenas o alemão Franz Beckenbauer (Alemanha, em 1974, e Itália, 1990) e o francês Didier Deschamps (França, em 1998, e Rússia, em 2018) ganharam um Mundial como jogador e treinador.

“Vocês vão ter que me engolir”

Zagallo sempre foi muito acarinhado pelos fãs brasileiros, que gostavam da sua personalidade idiossincrática e do seu nacionalismo sem remorsos. Gostava de dizer que nasceu com a vitória ao lado e raramente tinha vergonha de desafiar aqueles que diziam que as suas equipas eram muito defensivas.

Uma das frases mais famosas aconteceu depois de o Brasil vencer a Copa América na Bolívia, em 1997. Quando o apito final soou, Zagallo, visivelmente emocionado, com o rosto vermelho devido ao ar rarefeito de La Paz, gritou para as câmaras de televisão "Vocês vão ter que me engolir", frase que até hoje é usada por brasileiros de vários clubes para reivindicar vitórias sofridas.

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Zagallo foi coordenador técnico na conquista do título de 1994, nos Estados Unidos Reuters

Segundo o próprio, conta A Folha, a frase teve como alvo dois jornalistas de São Paulo que faziam campanha contra o treinador.

Zagallo também era conhecido por ser muito supersticioso e acreditava que o número 13 lhe trazia sorte. Gostava de cunhar frases que continham 13 letras, casou-se a dia 13 e até dizia que deixaria os campos às 13h do dia 13 de Julho de 2013.

Zagallo queria ser piloto de avião

O homem dos mil nomes, também conhecido por "Lobo Velho", nasceu a 9 de Agosto de 1931, em Maceió, na empobrecida costa nordeste do Brasil. A família mudou-se para o Rio de Janeiro antes de completar um ano e foi na "Cidade Maravilhosa" que crescer e se apaixonou pelo futebol.

Por causa de problemas de visão foi obrigado a abandonar um dos primeiro sonhos: ser piloto de avião. Optou por estudar contabilidade e, nas horas vagas, jogava futebol na equipa local, América, naquela altura um dos maiores clubes da cidade.

“O meu pai não queria que eu fosse jogador de futebol, não deixou”, disse Zagallo em entrevista publicada pela Confederação Brasileira de Futebol. “Naquela altura não era uma profissão respeitada, a sociedade não via com bons olhos... É por isso que digo que o futebol entrou na minha vida por acidente.”

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Mário Zagallo voltou aos comandos da selecção em 1998, quando o Brasil de Ronaldo perdeu por três bolas a zero no Stade de France para os Bleus PAULO WHITAKER /REUTERS

Zagallo começou como defesa central com a camisola 10 que, antes de Pelé, ainda não tinha o significado que tem agora, mas a intuição disse-lhe que estava no lugar errado à hora errada. “Vi que seria difícil entrar na selecção brasileira com a camisa 10 porque havia muitos grandes jogadores nessa posição, então mudei do meio-campo esquerdo para a lateral", disse.

Também se mudou do América para o Flamengo, onde conquistou três medalhas no campeonato carioca de futebol. A segunda metade da carreira foi passada no rival municipal Botafogo, onde conquistou mais dois títulos.

O primeiro mundial aconteceu na Suécia, em 1958, onde foi titular nas seis partidas e jogou ao lado de Garrincha e Pelé, que na altura tinha apenas 17 anos. “Eu tinha 27 anos e o Pelé, 17. É por isso que digo que nunca brinquei com ele, mas ele brincou comigo.”

Quatro anos depois, no Chile, foi novamente campeão, mas só garantiu a vaga após fazer algumas alterações tácticas. Zagallo ficava para trás para ajudar a marcar o lateral rival e quando a sua equipa ganhava a bola, subia toda a lateral. Era incomum que os atacantes ajudassem na defesa e o jogador ajudou a mudar a forma como os extremos jogavam.

México, 1970

Como técnico, Zagallo liderou uma série de clubes brasileiros, mas deixou a sua marca quando foi convocado para substituir o polémico João Saldanha como técnico do Brasil, poucos meses antes da Mundial de 1970, no México. A prestação do Brasil foi irregular e a equipa não era uma das favoritas, mas Zagallo reuniu um plantel repleto de estrelas e conquistou uma vitória memorável por 4 a 1 sobre a Itália, na final.

Imortalizado com uma estátua à frente do estádio Nilton Santos, no Rio de Janeiro, treinou a selecção do Kuwait, entre 1976 e 1978, e a equipa dos Emirados Árabes Unidos, nos anos 1989 e 1990. O treinador voltou aos comandos da selecção em 1998, quando o Brasil de Ronaldo perdeu por três bolas a zero no Stade de France para os Bleus, do capitão Didier Deschamps.

Imagem de uma conferência de imprensa em 2013 Sergio Moraes
Zagallo em 2014 REUTERS/SERGIO MORAES
Zagallo (em baixo) em 2022, aquando da inauguração de uma estátua sua à frente do estádio Nilton Santos, no Rio de Janeiro REUTERS/SERGIO MORAES
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Imagem de uma conferência de imprensa em 2013 Sergio Moraes

Casou-se em 1955 com a primeira e única esposa, Alcina de Castro, que morreu em 2012. O casal teve quatro filhos. ​Zagallo aposentou-se em 2006, mas continuou muito popular e não desapareceu da vida pública, aparecendo frequentemente na televisão, em cerimónias de prémios e da de gala e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que decretou sete dias de luto no futebol brasileiro pela morte de Zagallo, "maior campeão do mundo de todos os tempos" e "ídolo de várias gerações".

"Maior campeão do mundo de todos os tempos, reverenciado e admirado por uma legião de fãs, ídolo de várias gerações, Mário Jorge Lobo Zagallo morreu nesta sexta-feira", lê-se na nota publicada no sítio oficial da CBF.

A entidade que rege o futebol brasileiro também anunciou que será respeitado um minuto de silêncio em todos os jogos da primeira ronda das eliminatórias da Copa do Nordeste, que começa este sábado.

"A CBF e o futebol brasileiro lamentam a morte de uma das suas lendas, Mário Jorge Lobo Zagallo. A CBF presta solidariedade aos seus familiares e fãs neste momento de pesar pela partida deste ídolo do nosso futebol", afirmou o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues.

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