Já agora, que tal carros nos túneis do metro do Porto?

O metrobus em construção no Porto é uma oportunidade para melhorar a mobilidade na cidade; mas, para tal, tem que ter via 100% exclusiva. Senão, é só uma dúzia de autocarros de luxo no pára-arranca.

O metrobus do Porto é um sistema de transporte público em autocarros que irá ligar a Rotunda da Boavista e a Praça do Império/Rotunda da Anémona. Trata-se de um investimento de 76 milhões de euros totalmente financiado a fundo perdido pelo PRR com base num estudo de procura e de viabilidade financeira que prevê que o metrobus tenha uma via exclusiva (onde não podem circular carros) em toda a sua extensão.

Só assim se assegura a velocidade de circulação ("média de 25 km/h, com tempo de paragem nas estações de 33 segundos") que cumpre os prometidos 12 minutos entre Boavista e Império. Só assim o metrobus irá mudar a mobilidade da zona ocidental da cidade do Porto, cumprindo horários e frequências como o metro faz e desviando pelo menos 3,7 milhões de viagens de automóvel por ano para um veículo rápido e confortável.

Porém, por decisão política, na Avenida Marechal Gomes da Costa o metrobus não terá uma via exclusiva.

A sério?! Então o metrobus não será um metrobus?

São certamente compreensíveis as motivações de quem fez pressão para que não fossem retiradas faixas para automóveis, suprimidos lugares de estacionamento ou reduzido o relvado central da avenida. Não tendo havido nenhum movimento de massas, as vozes que chegaram aos decisores terão sido de moradores da zona e da Foz, a elite sócio-económica da cidade.

Como é que estes interesses particulares prevalecem sobre o objetivo da neutralidade carbónica que a Câmara do Porto quer antecipar para 2030? Segundo os Censos, em 2021, 53,5 % da população do Porto deslocava-se regularmente de carro, 2 p.p. acima de 2011 e 6 p.p. acima de Lisboa; no mesmo período, a fatia dos portuenses que utilizam transporte coletivo desceu 4 p.p.para 22,4 %. Ou seja, temos estado a caminhar no sentido errado.

Como evitar o desperdício de tantos recursos numa dúzia de autocarros que aceleram numa parte do trajeto para na outra ficarem a atrasar-se no pára-arranca? Será que não somos capazes de reduzir o espaço para o automóvel nem quando passamos a ter uma alternativa fiável de transporte coletivo?

Perante a evidente contradição entre o nome da coisa e a própria coisa, os responsáveis políticos e técnicos têm tido abordagens criativas:

A 23 de Março de 2022, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, afirmou poeticamente que o metrobus vai "conviver com os automóveis" na Avenida Marechal Gomes da Costa. Na apresentação pública do projeto, a 30 de Janeiro de 2023, arriscou declarar que "não faria sentido deixar sem uso as vias do metrobus nos 10 minutos" entre as suas passagens, mas que a via estará marcada no chão como sendo "do metrobus", ainda que qualquer automóvel a possa usar.

Na mesma ocasião, o presidente da Metro do Porto, Tiago Braga, professou a sua fé, dizendo que "espera que os automobilistas evitem a via (não exclusiva) na Marechal para contribuírem para o êxito do transporte público". Porém, em entrevista ao ECO a 11 de Março, recuou quase até ao cepticismo: “Se verificarmos, em conjunto com a câmara municipal e a STCP, que a operação (do metrobus) está a ser prejudicada, rapidamente conseguiremos colocar mais área segregada para beneficiar o funcionamento do sistema."

O financiamento do metrobus pelo PRR foi feito no pressuposto que o metrobus seria um metrobus. Que consequências terá neste e noutros projetos pagos pela UE o Porto não cumprir aquilo com que se comprometeu?

Por todos os motivos, seria trágico para o Porto fazermos do metrobus uma caricatura de um transporte público de qualidade, que é o que todos os especialistas sabem que aconteceria. Não bastam proclamações bem intencionadas do Município como o Pacto do Porto para o Clima, é preciso agir.

É este o momento para criarmos a via dedicada em toda a extensão do metrobus, desde o primeiro dia da sua operação.

Ou então, se é para não deixar sem uso as infraestruturas quando não estão a passar os veículos, assumamos uma inovação à moda do Porto e apliquemos essa lógica ao metro, colocando carros a circular no túnel entre as estações da Trindade e de Campanhã, obviamente apenas "nos minutos entre a sua passagem". E, correndo bem, fazermos o mesmo na Linha de Leixões, no Ramal da Alfândega, até exportarmos a ideia mundo fora.

É agora, Porto!

Nota: Metrobus é o nome português para BRT (Bus Rapid Transit). A sua caraterística essencial é ter uma faixa de rodagem exclusiva, como o metro e o comboio. É também desejável o autocarro ter prioridade nos cruzamentos, o seu alinhamento ao centro da via e a existência de estações niveladas com o piso dos veículos.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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