A importância do papel passado

A exigência feita por Cavaco Silva em 2015, que resultou na assinatura das posições conjuntas para garantir a viabilidade do primeiro Governo de Costa, tem uma virtude à vista: a transparência.

Até ao início desta semana, quando O Jornal Económico pegou no assunto da compra de um conjunto de acções dos CTT por parte do Estado português, não tinha havido uma só notícia sobre o tema e os despachos a instruir o negócio não eram conhecidos. Apenas nesta quarta-feira foram divulgados pela Parpública, empresa através da qual foi garantida a aquisição, com a explicação de que os "documentos foram considerados informação reservada pelo Ministério das Finanças, à época", para "evitar perturbações indevidas da cotação destes títulos no mercado".

Nas várias versões já contadas, a participação do Estado nos CTT serviria para facilitar outra negociata: a da viabilização do Orçamento do Estado (OE) para 2021, numa altura em que a morte da “geringonça” já fora anunciada e o Governo minoritário de António Costa lutava para se manter em funções.

Só que o BE nega ter havido qualquer promessa nessa matéria por parte do Governo e os bloquistas lembram, inclusivamente, que acabaram por votar contra o OE para 2021. Já o PCP admite ter sido informado, mas rejeita que isso tenha contribuído para se abster no OE, porque essa (compra parcial) nunca foi a solução que verdadeiramente interessou ao partido, defensor da nacionalização dos CTT.

Não tenhamos ilusões: o tema (e sobretudo a falta de informação clara à sua volta) vem colocar pressão adicional sobre o PS e o seu novo líder, a dias de ser entronizado em congresso. Hugo Soares disse-o: “Sabemos que esta foi uma decisão conjunta do Ministério das Finanças e do ministério que tutelava a área sectorial. Quem tutelava esta área sectorial era o actual secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos.”

Mas a questão agora levantada vem também evidenciar as fragilidades das coligações pós-eleitorais sem papel passado. Se tivesse havido acordos escritos entre PS, PCP, BE e PEV em 2019, naquela que podia ter sido a segunda vida da “geringonça”, não estaríamos a discutir se o Governo quis ou não evitar o chumbo do OE comprando, às escondidas, 0,24% de uma empresa que em tempos já foi pública. Os dados estariam em cima da mesa e as cedências devidamente balizadas. O facto de o negócio ter sido mantido em segredo alimentou dúvidas.

Nesse sentido, a exigência feita em 2015 pelo então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, que resultou na assinatura das posições conjuntas para garantir a viabilidade do primeiro Governo de Costa, tem uma virtude à vista: a transparência. É uma lição para o futuro próximo.

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