O exercício da felicidade

Somos nós quem, em última instância, avalia o quão adequada e equilibrada é a nossa vida e o nosso funcionamento.

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O último patamar objetivo para o bem-estar é o bem-estar subjetivo Getty Images
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De forma simplificada, os temas da felicidade, satisfação com a vida e bem-estar estiveram ligados desde a sua origem e nasceram na Grécia antiga e no pensamento clássico.

Nessa altura, as academias exigiam a adesão a formas de vida específicas, para se poder garantir o estado de equilíbrio da vida humana em todas as suas dimensões. Estas formas de vida centravam-se normalmente na prática da virtude, do serviço, ou do livre pensamento, entre outros. Seguindo-as e mantendo-as, o indivíduo poderia assegurar a sua adaptação e equilíbrio, na sociedade da época. Por outro lado, estas práticas de vida prometiam um futuro de satisfação plena com o legado da vida pessoal como um todo, ou seja, prometiam a verdadeira satisfação com a vida e a felicidade. Registe-se aqui apenas a exceção dos hedonistas, uma corrente que praticava o prazer e a satisfação puros, como moral e modo de vida.

Atualmente, o bem-estar, e por isso a felicidade, são conceitos mais abrangentes e mais subjetivos do que no início. Colocam “a pessoa humana” mais ao centro e, ao fazê-lo, colocam também toda a sua diversidade e a dos seus contextos.

Numa tentativa de definição objetiva, a organização mundial de saúde, precisa que a saúde (e o bem-estar geral) é um estado biopsicossocial e é ditado pela satisfação das necessidades do ser humano, numa hierarquia em pirâmide.

A base desta pirâmide, o primeiro patamar, assenta nas necessidades físicas e materiais da pessoa, sendo que é de facto primordial para o bem-estar de uma pessoa ela poder ter acesso a um abrigo seguro, água e alimentos e poder gozar de boa saúde, por exemplo.

Na espécie humana, o patamar seguinte para o bem-estar é representado por significativas necessidades gregárias, de relação e pertença. Estas necessidades são tão fundamentais, como o poder ser cuidado em criança, ter ou ter tido alguém significativo na vida, ou estar bem integrado na vizinhança, na escola ou no emprego.

Nas necessidades do bem-estar humano, segue-se o patamar do desenvolvimento e da atualização. É que, afinal, é verdade que o nosso equilíbrio passa pela nossa capacidade e pela oportunidade de estarmos ou termos estado em desenvolvimento e crescimento na vida. E é por isso que é tão necessário a todos nós poder ter um acesso minimamente equitativo às estruturas da sociedade.

E por fim, no topo da pirâmide, o último patamar objetivo para o bem-estar é o bem-estar subjetivo. Nele cabe então toda a subjetividade do ser humano, na sua condição, valores ou cultura. E nele encontramos a incontornável dimensão subjetiva e individual do bem-estar: a nossa avaliação pessoal do quanto gostamos da nossa vida e sentimos as nossas condições, relações e desenvolvimento como adequados e satisfatórios. É esta expressão subjetiva da nossa satisfação com a vida que constitui o instrumento com que atualmente a ciência mede a “felicidade global” e é esta mesma medida a que nos diz que os finlandeses são dos povos mais felizes do mundo.

Porquê definir então a felicidade? Não é ela completamente subjetiva? É possível praticá-la?

A ser, e para atingirmos objetivamente o bem-estar, temos então de nos adaptar e de procurar o acesso e o equilíbrio nas diferentes dimensões da vida: materiais, de pertença e de desenvolvimento.

Por outro lado, somos nós quem, em última instância, avalia o quão adequada e equilibrada é a nossa vida e o nosso funcionamento. E é nesta última dimensão que temos muitas vezes o maior poder de transformar o nosso equilíbrio. Procurar e praticar a felicidade pode, assim, passar por não parar de procurar e cuidar das soluções que garantem a nossa saúde e segurança, por procurar cuidar e ser cuidado, por procurar a novidade e a atualização pessoal e, finalmente, por sermos justos e apoiantes ao avaliarmos todas as dimensões da nossa vida, no seu devido contexto.

É possível procurar esta felicidade, mesmo com a certeza de que nunca será atingida como um todo permanente. Quanto ao estado puro do prazer e da satisfação, ele é só isso, uma corrente, um estado pessoal agradável. Façamo-nos então o favor de praticar a felicidade, ao invés de apenas sermos felizes.

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