É quase um mistério o desvalor com que olhamos para os vinagres, a forma mal-assumida como encaramos o seu uso e consumo. E, no entanto, é um dos ingredientes mais distintivos da nossa culinária. Nenhum outro produto pode substituir um bom vinagre natural de vinho, a forma como intensifica os sabores, como valoriza os cozinhados, a leveza e frescura que confere aos ingredientes.

Em regra, nem tem sequer lugar à mesa. Fica escondido, guardado das vistas, e só aparece quando solicitado. Talvez por isso não tenha estatuto nem glamour, um contrassenso​ tendo em conta a valia gastronómica que um bom vinagre representa.

Alguém consegue imaginar uma refeição festiva, como a de Natal ou outras, sem um grande vinho para acompanhar? Ou sem que se saiba a sua origem, o produtor e até o preço, em função do qual oscila também a sensação de prestígio ou glamour? Nem pensar!

Há, pois, que perceber se não será mesmo porque não têm valor de marca e preço elevado que os vinagres não ganham prestígio e estatuto, ou se, pelo contrário, é a falta desse estatuto que faz com que não sejam valorizados?

O problema dos vinagres naturais é o tempo. Um bom vinagre precisa de pelo menos uma década para ser criado. É quanto as bactérias acéticas demoram para transformar o álcool do vinho em ácido acético. Quer isto dizer que o vinagre é produzido a partir de fermentação acética do vinho, que o transforma em vinho acre, ou num "vin aigre", o vinho azedo, na expressão francesa que está na origem do termo.

Outra questão é que a generalidade dos consumidores está apenas familiarizada com os vinagres industriais, a quase totalidade dos que são comercializados. Neste caso, o processo é bem mais simples e rápido. O vinho representa apenas uma pequena parte, o resto é água e a junção de ácido na quantidade necessária para que o ácido acético represente pelo menos os obrigatórios 6% no volume total. O vinagre faz-se em poucos dias, sendo nalguns casos depois "afinado" com estágio em barricas para conferir complexidade.

Uma vez provado, um bom vinagre de vinho torna-se irresistível. Abre e avia os aromas e sabores, confere frescura e leveza aos cozinhados e favorece a digestão. Não por acaso, já os gregos e egípcios o usavam como tempero ácido e picante, mas também como conservante para as carnes, peixes e legumes. E ainda como refresco, diluído em água, coisa que por cá igualmente se usava quando a indústria dos refrigerantes (e dos vinagres) não tinha invadido ainda os hábitos da população.

A diferença que faz um bom vinagre pode ser por estes dias avaliada com a roupa-velha. A tradição culinária de aproveitamento das sobras do bacalhau, couves e batatas dos banquetes natalícios tem no vinagre um dos principais condimentos. E a roupa-velha quer mesmo um bom vinagre. Tal como as lampreias que já aí vêm, as cabidelas de galo, os escabeches ou ceboladas da melhor tradição culinária.

Utilizado para avivar aromas e sabores e preservar a os alimentos desde a antiguidade, o vinagre é também um ingrediente diferenciador da culinária mediterrânica, dos países historicamente produtores de vinho.

A cozinha técnica contemporânea faz dele hoje um uso bem mais alargando. Também para aromatizar e equilibrar sobremesas, conjugando a doçura ou a intensidade gorda com aroma e acidez frescos. As rabanadas, o pão-de-ló e os bolos em geral, são um bom campo para a ousadia e experimentação. Uma leve aromatização e refrescamento e verá que tudo ganha outro sabor e amplitude.

A questão é, portanto, saber quanto vale hoje um bom vinagre de modo a que ganhe esse estatuto de prestígio e glamour? O preço justo é sempre aquele que o consumidor está disposto a pagar pelo produto, mas para isso é também fundamental que os produtores assumam também essa ambição e a qualidade da oferta.

Essa seria também a melhor homenagem que se poderia prestar a Rui Moura Alves, o enólogo bairradino falecido em Abril que deixou como legado escola vinagreira e um extraordinário produto. Além do rótulo com o seu nome, ajudou também Mário Sérgio Nuno, na Quinta das Bágeiras, a lançar outro vinagre sublime. São únicos no mercado com preços a rondar os 20€ (garrafas de 25cl e embalagem de prestígio) e ambos têm ambos grande procura, esgotando com frequência.

E isso mostra que quem prova, já valoriza. E tal como a roupa-velha muitos pratos pedem também um bom vinagre.