Rui Moura Alves: morreu um mestre de vinhos e vinagres, um senhor da Bairrada

Marcou a região, a cultura dos vinhos e era considerado o melhor vinagreiro de Portugal. Morreu esta segunda-feira, aos 79 anos. Recordamos aqui dois textos sobre a sua carreira e obra.

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Rui Moura Alves Adriano Miranda

O enólogo Rui Moura Alves morreu esta segunda-feira, aos 79 anos, deixando uma obra com mais de meio século na Bairrada e muitos vinhos: foram três décadas de colaboração com a Quinta das Bágeiras. Era considerado o melhor vinagreiro do país.

“Uma das personalidades mais fascinantes da Bairrada”, escrevia Pedro Garcias na Fugas num texto em que destacava a obra de Moura Alves. Participou na criação de grandes vinhos, fazia os melhores vinagres do país (baptizados com o seu nome) e detinha uma imensa colecção de aguardentes (tinha mais de 800).

Defensor acérrimo da casta Baga, estava ligado há 33 anos como consultor enológico à Quinta das Bágeiras, ao lado de Mário Sérgio. “Até sempre SENHOR Rui”, escreveu o produtor no seu Facebook. Era co-fundador da Soanálise, Gabinete de Enologia da Bairrada, em operação desde 1989.

Além de Bágeiras, Moura Alves participou também na criação de vinhos de caves como a Barrocão, da Montanha, do Pontão, São João ou Vale d'Arcos. A Quinta de Baixo, Casa de Saima e Sidónio de Sousa também contaram com colaborações suas e assinou alguns Bussaco.

Senhor de uma gigantesca colecção de aguardentes (mais de oito centenas delas), Moura Alves era considerado também o melhor vinagreiro de Portugal. Em Sangalhos, onde tinha o seu laboratório na Rua do Comércio, por entre tubos e frascos, criava raros vinagres naturais de vinho. O Vinagre Moura Alves foi inclusive vencedor de concursos dos melhores vinagres. “ Temos dezenas de excelentes azeites mas só um vinagre excelente: o de Moura Alves”, escrevia Miguel Esteves Cardoso em 2013.

“Eu tinha cá a minha ideia: a cepa dá uva, a uva dá vinho e dá subprodutos, bagaceira, aguardente vínica, abafado, e dá também vinagre”, dizia o enólogo à Fugas alguns anos depois, recordando que até chegou a ser criticado: “Diziam que eu, como enólogo, não devia andar a fazer vinagre.”

“Por trás de tudo isto, está, da parte de Moura Alves, uma filosofia na forma de olhar o vinho e o vinagre e um respeito enorme por estes produtos”, escrevia na Fugas Alexandra Prado Coelho, aquando de uma visita ao seu laboratório. E a jornalista recordava um detalhe precioso: “Há dois anos, depois de conversarmos por telefone para outro artigo, enviou-nos um e-mail com um texto citando ‘o gesto de Cleópatra, a rainha do Egipto, de dissolver em vinagre preciosas pérolas para, de um golo, beber uma fortuna fabulosa’ ou a ‘estulta pretensão de Aníbal, o incrível general cartaginês, de querer abrir fácil passagem às suas tropas através das rochas calcárias dos Alpes, mandando-as regar com vinagre'”.

No final desta visita, Moura Alves tinha mais um texto para a jornalista – e uma lição, que era também uma das mensagens que quis passar à sua filha Isabel Cristina Alves, que trabalhava com o pai no laboratório: “O vinho é um ser vivo e faz parte da alimentação humana. Por isso, o enólogo deve ter sempre presente a genuinidade de um produto natural.”

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