Depois de uma vida de abusos, Gypsy mandou matar a mãe. A sua saída da prisão pôs o TikTok num alvoroço

Durante anos, uma mãe pôs a filha doente para ter atenção. A filha pediu ao namorado que a matasse. Agora, Gypsy Rose foi posta em liberdade, dois anos antes do fim da pena.

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Gypsy Rose Blanchard em Mommy Dead and Dearest, documentário da HBO de 2017 DR
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A história de Gypsy Rose Blanchard é, literalmente, de filme: foi transposta para o ecrã, em diversos formatos, nomeadamente com a minissérie The Act, que, com Patricia Arquette, Joey King e AnnaSophia Robb, conquistou um Emmy de melhor actriz. Há ainda os documentários Mommy Dead and Dearest (2017, de Erin Lee Carr) e Gypsy's Revenge (2018, de Jesse Vile), e o filme Corre! (2020, com Sarah Paulson e Kiera Allen).

Nascida em 1991, cedo a mãe se convenceu que Gypsy Rose não era saudável. E não tardou a convencer todos os outros das doenças da filha, incluindo leucemia, distrofia muscular e convulsões. Mantinha a cabeça de Gypsy rapada, obrigando-a a usar uma cadeira de rodas, tendo ainda levado um médico a colocar um tubo de alimentação na rapariga, que alegava ser mentalmente incapaz. Ao todo, a jovem foi submetida a mais de 30 cirurgias: aos olhos, às pernas, à garganta... Os vizinhos e as organizações nacionais fizeram donativos monetários, organizaram viagens à Disney World e até lhes construíram uma casa (com rampa para cadeiras de rodas e jacuzzi), cortesia da Habitat for Humanity.

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Gypsy Rose Blanchard passou por mais de 30 cirurgias — nenhuma necessária DR/HBO

Depois, Gypsy Rose descobriu a verdade: nunca estivera doente. E a mãe usou meios mais agressivos para a manter sob o seu controlo, como amarrá-la à cama. Até que, em 2010, com 19 anos, conheceu Nicholas — um namoro que a mãe não permitia. E, cinco anos depois, a rapariga deixou uma porta aberta da casa onde morava com a mãe para que o namorado pudesse entrar e concretizar o que lhe tinha pedido: matar a progenitora.

Nicholas foi condenado a prisão perpétua, sem direito a condicional por 25 anos; Gypsy Rose recebeu uma sentença de dez anos e saiu agora, dois anos antes do término daquele período, com uma legião de fãs para a apoiar.

Durante anos, a história de Gypsy Rose Blanchard chamou a atenção dos fãs de crimes reais e dos espectadores de documentários, filmes, programas de televisão e outros meios de comunicação que dramatizaram o seu caso. Antes da sua libertação, na quinta-feira de manhã, os apoiantes de Blanchard provocaram um frenesim nas redes sociais com previsões e desejos sobre os seus próximos passos.

Muitos fãs de longa data, ansiosos pelo lançamento do seu livro, Released: Conversations on the Eve of Freedom, e a estreia, a 5 de Janeiro, da série documental The Prison Confessions of Gypsy Rose Blanchard, dizem estar curiosos para ver o que a jovem de 32 anos fará com sua recém-descoberta liberdade e fama.

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Gypsy Rose Blanchard com a mãe, Clauddine "Dee Dee" Blanchard DR/HBO

Mas, nas redes sociais, os utilizadores queixam-se de que a discussão está a ficar fora de controlo. Um tiktoker, que afirmou num vídeo estar “à espera na prisão em que Gypsy Rose está” com um cartaz “Welcome Home Gypsy Rose”, obteve 22 milhões de visualizações. Outra pessoa colou fotografias grandes de Blanchard e adicionou o seu rosto a mini cupcakes num vídeo de curta duração que obteve dois milhões de visualizações.

“Assim que ela voltar e começar a publicar, acho que vai ser um sucesso”, disse Julie Urquhart, uma criadora canadiana do TikTok, de 48 anos, que faz vídeos sobre crimes reais.

O caso de Blanchard é um dos mais conhecidos entre os crimes reais, disse Urquhart. Mas o que diferencia Blanchard de casos semelhantes de grande visibilidade, como os de Madeleine McCann e JonBenét Ramsey (uma criança de 6 anos, reconhecida pela participação em concursos de beleza, que foi violentamente assassinada, em 1996), acrescentou Urquhart, é que ela sofreu um caso de síndrome de Munchausen por procuração.

A experiência de Gypsy Rose — juntamente com as discussões sobre o assassínio de Clauddine e o subsequente castigo da jovem — despertou o interesse de ávidos observadores de crimes reais.

Kat Jackson, uma aspirante a influenciadora das redes sociais de 26 anos que vive em Auburn, Alabama, revela que tem acompanhado Gypsy Rose Blanchard desde o ensino secundário, quando era obcecada por programas de crimes reais no TLC e Lifetime.

A jovem gravitou em torno do género por causa dos acontecimentos chocantes que podem ocorrer nas vidas de “pessoas aparentemente normais”. E diz: “Todos nós crescemos a ouvir a história nas notícias. Faz sentido que seja uma coisa importante agora porque... Estamos finalmente a ver o fim de uma espécie de capítulo para ela.”

Enquanto Kat diz que apoia Blanchard, acha que os apelos de alguns fãs para torná-la uma personalidade das redes sociais estão a ser levados longe demais. “Eu não acho que as pessoas realmente entendam que ela ainda precisa de se adaptar à vida fora da prisão e encontrar a sua própria vida, a sua própria coisa”, defende. “Ela ainda tem de descobrir onde está depois de tudo isso.”

@gypsyroseblanchard727

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Outros fãs, como Sara Huntington, uma comediante de 30 anos sediada em Indianápolis, argumentam que suas acções sugerem que ela não quer ter uma vida completamente privada. A conta de Gypsy Rose no TikTok, que a sua meia-irmã alegadamente criou antes da sua libertação, acumula quase 700 mil seguidores e milhões de visualizações em cada um dos seus três vídeos, enquanto os seus apoiantes aguardam a sua estreia nas redes sociais.

Huntington espera que os fãs de Blanchard se sintonizem nos vídeos “get ready with me” (prepara-te comigo), nas compras de mercearia e nos clips de culinária.

“Estou a implorar-te que comeces a fazer vídeos aqui, por favor”, diz Huntington num TikTok, que conta já com mais de cinco milhões de visualizações. “E não faças coisas estranhas como a Britney Spears e comeces a fazer danças e não nos contes — conta-nos os detalhes! Fala assim para a câmara e serás mais popular do que o mar do Norte”.

Vê-la prosperar depois da sua infância traumática e da pena de prisão é o tipo de final feliz que os seus apoiantes estão a torcer para que ela tenha, diz Sara Huntington. “Ela era uma prisioneira em casa, depois foi directamente para a prisão. E agora, pela primeira vez, está a ver a liberdade. Só queremos vê-la ter sucesso.”


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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