Farmácias criam plataforma para pesquisa rápida de alternativas a medicamentos em falta

Plataforma visa simplificar o trabalho do farmacêutico e dar melhor resposta aos doentes. Sistema, adiantou a presidente da Associação Nacional de Farmácias, estará disponível até Março de 2024.

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Desde o início do ano foram tomadas várias medidas para mitigar a escassez de medicamentos Patrícia Martins
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A Associação Nacional de Farmácias (ANF) vai criar uma plataforma para ajudar os farmacêuticos a procurar alternativas de medicamentos que não estejam disponíveis. O objectivo é, quando um doente leva uma receita e a apresentação prescrita esteja em falta, que de forma rápida o farmacêutico consiga encontrar outras apresentações disponíveis do mesmo fármaco para que o doente possa logo aviar a receita. O sistema, adiantou a presidente da ANF, estará disponível “no primeiro trimestre de 2024”.

O anúncio da criação desta plataforma, que visa simplificar o trabalho do farmacêutico e dar melhor resposta aos doentes, será feito nesta segunda-feira na conferência organizada pela associação, que se realiza no Infarmed, em Lisboa. O tema central é a escassez de medicamentos, um problema que continua a afectar Portugal e outros países. À semelhança do que já existe no nosso país, a Agência Europeia dos Medicamentos (EMA) e a Comissão Europeia criaram uma lista de fármacos essenciais, de forma a evitar rupturas.

“Iremos anunciar um desenvolvimento que a ANF irá fazer, que é a construção de uma plataforma onde, de modo fácil, o farmacêutico possa colocar qual é o medicamento que a pessoa precisa e que rapidamente apareçam as várias opções que tem se para aquele medicamento está disponível outro tamanho de embalagem, outra dosagem ou formulação, se está autorizada uma importação paralela ou se o farmacêutico pode fazer a manipulação de uma determinada formulação para transformar noutra”, explica a presidente da ANF.

A pretensão da medida, continua Ema Paulino, é “tornar esse processo de pesquisa de informação muito mais simples, em vez de o farmacêutico estar a encontrar manualmente as várias alternativas”, e “mitigar o impacto” da escassez de medicamentos nas pessoas. “A escassez de medicamentos está muito presente, é sempre tópico de discussão em todas as reuniões internacionais e nacionais em que participamos porque é um problema que tem uma prevalência elevada na sociedade”, salienta a responsável.

Recentemente, o Governo aprovou uma alteração que permite às farmácias revalidar as receitas de doentes crónicos. Ema Paulino refere que nessa alteração às regras de prescrição e dispensa “foram incluídas duas ferramentas importantes para o farmacêutico poder ajudar a gerir a escassez” de medicamentos.

Uma é a possibilidade de o farmacêutico ver o histórico de dispensa dos últimos 12 meses, permitindo “perceber quando foi a última vez que a pessoa levou o medicamento para casa e se está na altura ou não de levar uma nova embalagem”. A outra é a “possibilidade de fazer substituições por embalagens de tamanho diferente, dosagens ou formulações diferentes”. Falta operacionalizar o sistema informático para que esta possibilidade possa ser efectivada.

É nesta sequência que a ANF vai apresentar uma nova proposta. “Pensamos que poderá passar a fazer parte dos planos de mitigação que o Infarmed desenha, à semelhança do que já é feito noutros países, a possibilidade de haver substituição por uma outra substância activa”, diz Ema Paulino. Esses protocolos de substituição “teriam de ser situações identificadas, consensualizadas entre médicos e farmacêuticos, e [teriam] de ser estabelecidos os critérios de elegibilidade”, havendo sempre uma comunicação ao médico prescritor.

Quatro rupturas com “impacto elevado”

Sem dados concretos para quantificar a escassez de medicamentos em Portugal, “sabemos que o problema persiste e que continua a ser grave para os cidadãos”, diz Ema Paulino, reconhecendo que a realidade actual será “sensivelmente semelhante à do início do ano”. “Diria que se não tivessem sido aplicadas medidas, o panorama poderia estar pior. Estava-se a observar essa tendência de agravamento”, aponta.

Nessa altura, o Ministério da Saúde anunciou a tomada de várias medidas, entre as quais, o aumento do preço dos medicamentos mais baratos e a criação de uma lista de medicamentos essenciais considerados críticos, revista anualmente, que só foi operacionalizada a meio do ano.

Questionado pelo PÚBLICO, o Infarmed refere que “actualmente encontram-se activas quatro rupturas de apresentações com impacto elevado”. Um dos medicamentos é o “Granupas 4mg, granulado gastrorresistente (30 unidades), (ácido para-aminossalicílico), em ruptura até 31 de Janeiro de 2024”. É um “medicamento essencial mas com um consumo muito reduzido (4 embalagens/mês a nível nacional)”, explica, tendo-se encontrado “solução para assegurar a continuidade do tratamento de um doente com produto proveniente de um mercado europeu”.

Outro caso é o “Octreotido color, 0.1 mg/1 ml, solução injectável ou concentrado para solução para perfusão (cinco unidades) (octreotido), em ruptura até 29 de Janeiro”. É um medicamento de dispensa exclusiva hospitalar e já foi “aprovada autorização de utilização excepcional a um distribuidor nacional, que se encontra a abastecer os hospitais”. Também no caso do “Tiapridal, 100 mg/2 ml, solução injectável (seis unidades) (tiaprida), em ruptura até 10 de Janeiro”, os hospitais “encontram-se a ser abastecidos por autorização de utilização excepcional”.

A completar a lista está o “Sandimmun, 50 mg/ml, concentrado para solução para perfusão (dez unidades) (ciclosporina)”, um produto “com baixo consumo” que estará em ruptura até dia 27 deste mês. Está a ser analisada uma solução com o titular de autorização de introdução no mercado.

Dois destes fármacos o octreotido e a ciclosporina – “estão incluídos na lista de medicamentos essenciais”. Essa lista, recorda o Infarmed, “trouxe novos instrumentos que são colocados à disposição das empresas farmacêuticas para a melhoria das condições de comercialização dos medicamentos considerados críticos”.

Entre as medidas estão a isenção de reduções de preço nas revisões feitas anualmente, a isenção de pagamentos de taxas, como as referentes a pedidos de autorização de introdução no mercado, ou a permissão para que o preço de venda ao armazenista possa ir até ao valor mais alto dos países de referência (conjunto de países cujos preços médios servem para definir o valor dos medicamentos em Portugal).

Mensalmente, o Infarmed também faz revisão da lista de medicamentos que não podem ser exportados temporariamente, de forma a prevenir eventuais falhas no mercado nacional. A lista publicada na semana passada contempla 140 apresentações de fármacos.

Há ainda um outro mecanismo para mitigar a escassez de medicamentos, a Via Verde Medicamento (VVM), criada em 2015. “A participação na lista da VVM é voluntária, ficando ao critério das empresas aderirem ou não com os seus medicamentos em situação de escassez a este mecanismo de distribuição paralelo”, explica o Infarmed, adiantando que “este mecanismo se encontra a ser revisto”.

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