Segunda volta

Mais tarde ou mais cedo, terá de haver uma segunda volta das eleições legislativas, para se decidir a próxima solução governativa com condições estabilidade.

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No dia 10 de março de 2024 vence-se a fatura a 90 dias que António Costa endereçou há dias ao Presidente da República. Realiza-se também a primeira volta das eleições legislativas. O primeiro facto é objetivo. O segundo merece explicação e reflexão.

Por estes dias, com as eleições internas do Partido Socialista, fica fixado o elenco de opções sobre as quais o ato eleitoral de 10 de março vai incidir. Se os principais protagonistas fizerem aquilo que dizem, a 11 de março de 2024 estaremos perante o seguinte panorama: 1. o PSD só governa se ganhar as eleições; 2. O PSD não faz acordos de governo, nem de incidência parlamentar, com o Chega; 3. o Chega só apoia um governo do PSD se for convidado para o integrar; 4. o PS de Pedro Nuno Santos, não admite a hipótese de acordo com o PSD e ressuscita a "geringonça" (ou procura ressuscitar, não se sabe a que preço…), mesmo que a esquerda não tenha maioria na AR; 5. O PS de José Luís Carneiro, procura acordos pontuais à esquerda e à direita, ou seja, não perspetiva nenhum acordo, nem à esquerda nem à direita, que garanta um governo com estabilidade garantida.

É fácil de ver o que isto dá: governos minoritários, débeis, à mercê de coligações negativas no Parlamento a propósito de tudo e nada.

Débeis são os governos, debilitadas as lideranças. Num partido estremunhado pela surpresa de um ato eleitoral inesperado para que não se pode preparar convenientemente, um primeiro-ministro do PSD viverá assombrado por Pedro Passos Coelho e por Cavaco Silva, enquanto um do PS começará os seus dias a ler os clippings sobre as últimas declarações de António Costa. Líderes reféns do seu passado e do seu discurso, incapazes de celebrar os acordos necessários, alguns impopulares nos respetivos partidos, para garantir estabilidade e enfrentar os desafios.

Por infelicidade, advinha-se também um Presidente da República fragilizado, tolhido no exercício do poder arbitral que o sistema semipresidencial lhe encomenda. Talvez não pelo caso das gémeas luso-brasileiras, que, possivelmente, é menos relevante para a sua posição institucional e pessoal do que chegou a parecer. A razão é outra: cumprirá o resto do segundo mandato a tentar explicar por que motivo optou por uma solução institucional e política que troca uma maioria absoluta por um destino em que o sistema político fica capturado por um partido que o quer subverter.

Do Presidente virá pouca ajuda a um governo que necessite de proteção perante o Parlamento. Desfalece, desde logo, a arma que tem efeitos dissuasórios mais potentes: a dissolução parlamentar. Juridicamente está lá, sem beliscadura, é certo. Mas, politicamente, será óbvio que só poderá ser usada quando isso for forçoso, sem qualquer margem para pensamento presidencial próprio, se (e quando) o quadro parlamentar se tornar totalmente estéril no tocante à gestação de soluções governativas. Ou seja, quando as maiorias ocasionais do Parlamento o impuserem.

E é aí que talvez comece a fazer sentido o título deste texto. Se assim for, as eleições de 10 de março não são decisivas; são apenas uma primeira volta, interlúdio de um novo ciclo político que só se inicia realmente num horizonte mais largo, embora não distante. Mais tarde ou mais cedo, terá de haver uma segunda volta das eleições legislativas, para se decidir a próxima solução governativa com condições estabilidade.

Se nela participarem todos ou alguns dos mesmos protagonistas, provavelmente à segunda segue-se uma terceira volta. Para a evitar, pode ocorrer que os portugueses façam um irrecusável apelo a quem dentro dos respetivos partidos tenha uma posição suficientemente forte para fazer aquilo que começa a ser urgente: forjar uma solução governativa capaz de gerar entendimentos o mais alargados possível, mas sobretudo ao centro, que invertam a exasperante tendência de Portugal para continuar a cair nos rankings do desenvolvimento. Entendimentos que assegurem uma visão estratégica comum quanto a infraestruturas cruciais, à captação de investimento, ao sistema fiscal, ao desarmamento da burocracia da administração pública, ao sistema de saúde, à justiça, à habitação, à transição energética.

Mas não apenas entendimentos: também capacidade e coragem de execução.

Em alguns setores, o Governo ora cessante cometeu erros no desenho de políticas públicas, como é o caso notório da habitação. Mas a maior pecha foi a exasperante ausência de capacidade executiva em muitas áreas. Infelizmente, a atual liderança do PSD parece ter exatamente o mesmo problema, se não pior. Só isso explica a recente manifestação da incapacidade de resistir a criar uma Comissão sobre o aeroporto para avaliar o trabalho de outra Comissão, criada com o assentimento do PSD.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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