Cirurgia plástica: onde acaba a saúde e começa a estética?

É essencial reconhecer o impacto positivo que a cirurgia plástica pode ter na saúde, não apenas corrigindo imperfeições físicas, mas também promovendo o bem-estar emocional.

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"A influência da cirurgia plástica transcende o domínio físico" Anna Shevts/Pexels
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Numa era digital em constante evolução, movida a uma velocidade vertiginosa, a transformação da aparência tornou-se um tema de intensa controvérsia. As mudanças sociais e tecnológicas têm não apenas redefinido, mas ampliado os padrões estéticos, gerando discussões sobre a procura incessante pela imagem ideal e os seus impactos na individualidade humana.

De um lado os argumentos de “normalização” de padrões, levando muitos a quererem o mesmo tipo de aparência; e do outro, os argumentos da liberdade de cada um de fazer com o seu corpo aquilo que deseja. No entanto, enquanto as atenções se concentram nas controvérsias estéticas, é imperativo explorar um aspeto frequentemente subestimado: o impacto da cirurgia plástica e da medicina estética na saúde global do indivíduo.

Conceitos como saúde, bem-estar, qualidade de vida ou liberdade, apesar de serem considerados fundamentais numa sociedade evoluída, são muito subjetivos e diferentes consoante o indivíduo e o meio em causa.

Evolução dos procedimentos

Analisar a evolução dos procedimentos é crucial para compreender a dinâmica dessa área. Segundo dados da principal associação internacional de cirurgiões plásticos, a International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS), registou-se um crescimento notável nos procedimentos cirúrgicos estéticos nos últimos anos.

Em 2022, ocorreu um crescimento de 16,7% de cirurgias, face a 2021; e 41,3% de aumento quando comparado com 2018. Em relação aos procedimentos não cirúrgicos destacou-se um aumento de 7,2% em 2022 face a 2021; e um incremento 57,8% face a 2018. É importante notar que, enquanto os procedimentos cirúrgicos dão uma clara amostra representativa dos números reais globais, os dados das intervenções não cirúrgicas revelam apenas uma amostra pouco representativa, dado que não é necessário ser cirurgião plástico para realizar estes procedimentos médicos.

É interessante notar que os procedimentos não cirúrgicos, como preenchimentos e tratamentos a laser, têm ganho muita popularidade, refletindo uma preferência crescente por abordagens menos invasivas. Este fenómeno pode estar relacionado com a busca por resultados rápidos e recuperação mais confortável, destacando uma mudança nas preferências e expectativas dos pacientes.

Redes sociais

É essencial contextualizar essas mudanças no cenário atual, especialmente considerando a evolução do paradigma comportamental nas redes sociais.

A constante exposição a padrões de beleza, o “endeusamento” de influencers e filtros digitais tem desencadeado uma pressão social que, por vezes, contribui para a busca incessante da perfeição estética ou de cópia de determinadas características.

Este fenómeno destaca a necessidade crítica de equilibrar a influência digital com uma abordagem realista, saudável e até de aceitação do nosso corpo e identidade.

A dualidade da cirurgia plástica

A cirurgia plástica, muitas vezes rotulada como um mero recurso estético, abrange uma diversidade de procedimentos destinados tanto à melhoria da estética quanto à abordagem de questões de saúde física e mental. Este é um campo multidimensional que requer uma análise mais profunda para entender a interseção entre o desejo de aprimoramento estético e os benefícios tangíveis para a saúde.

Sob uma ótica física, a cirurgia plástica desempenha um papel vital na correção de deformidades congénitas, lesões traumáticas e condições médicas específicas. Intervenções como a reconstrução mamária pós-mastectomia não apenas restauram a estética, mas também promovem a saúde física ao reconstruir a integridade anatómica. Da mesma forma, a correção de malformações faciais não é apenas uma questão de aparência, mas, sobretudo, algo que visa restabelecer funcionalidade, interacção social, e no final sobrevivência, tendo como consequência o nosso bem-estar.

Assim, a influência da cirurgia plástica transcende o domínio físico. A saúde mental, muitas vezes negligenciada, é profundamente impactada por intervenções dita estéticas. A melhoria da autoestima, o alívio de traumas psicológicos e a promoção de uma imagem corporal positiva são benefícios tangíveis que a cirurgia plástica pode proporcionar. Não se trata apenas de vaidade, mas sim de uma abordagem holística que reconhece a interligação entre saúde mental e qualidade de vida.

A categorização de cirurgia plástica como estética ou de saúde é altamente redutora, pois ambas estão interligadas. É essencial reconhecer o impacto positivo que a cirurgia plástica pode ter na saúde, não apenas corrigindo imperfeições físicas, mas também promovendo o bem-estar emocional. A busca pela harmonia entre estética e saúde é o caminho para uma abordagem mais abrangente e equilibrada na prática da cirurgia plástica.

Esta interseção proporciona uma compreensão mais profunda do papel integral da cirurgia plástica na promoção da saúde global e na melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Mais do que a evolução dos padrões estéticos, é imperativo que a comunidade médica esteja atenta às tendências, regulamentando práticas e promovendo uma abordagem ética para garantir resultados positivos e duradouros, sempre servindo o melhor interesse da saúde do paciente.

Contudo, o setor enfrenta desafios éticos e sociais, exigindo uma regulamentação mais rigorosa para garantir práticas seguras e responsáveis, nomeadamente no combate ao fenómeno do intrusismo médico, onde profissionais não habilitados realizam procedimentos médicos ou onde médicos não habilitados para realizar procedimentos de cirurgia plástica realizam-nos colocando em causa a segurança dos pacientes.

O papel dos profissionais de saúde, especialmente cirurgiões plásticos, torna-se ainda mais crucial na orientação dos pacientes e na promoção de uma abordagem equilibrada, devendo apenas realizar determinado procedimento se existir indicação clínica.

No caso de não haver indicação clínica, não poderá ser considerado saúde, mas sim um procedimento meramente estético e é aqui que considero ser o limite, apesar de ténue e subjetivo, e que existe entre saúde e estética, devendo o cirurgião plástico explicar detalhadamente ao paciente a sua avaliação e eventualmente recusar-se a fazer o procedimento, caso não concorde com o mesmo.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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