A matemática da governabilidade e as coligações pré-eleitorais

A força de uma Coligação da Esquerda Verde (PCP-PEV/BE/Pan/Livre) seria potenciada pelo método de Hondt e pelo factor novidade. Podia ser o parceiro do PS numa “geringonça” mais consistente.

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Aproxima-se mais um momento eleitoral em que, numa primeira etapa, os cidadãos vão eleger os deputados para a Assembleia da Republica que, numa segunda etapa, irão escolher uma solução de Governo. Vale a pena, neste momento, uma reflexão sobre estes processos consecutivos.

Em primeiro lugar, deve relembrar-se que o actual sistema, baseado no método de Hondt aplicado independentemente em 22 círculos eleitorais, favorece os maiores partidos. Este método faz com que o número de lugares ocupados pelos deputados dos diversos partidos seja muito distorcido em relação ao que resultaria de uma simples proporcionalidade em função dos votos expressos a nível nacional. A comparação entre a actual repartição de lugares e a que resultaria de uma simples proporcionalidade sobre os votos expressos na eleição de 2022 evidencia esta distorção:

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Este processo eleitoral, que privilegia os maiores partidos, aponta claramente para a vantagem de que os partidos mais pequenos façam coligações pré-eleitorais de modo a maximizar o número de deputados eleitos. E não teriam de ser necessariamente coligações com os maiores partidos.

Vejamos a hipótese de haver, à esquerda, uma coligação entre o Partido Comunista, os Verdes, o Bloco de Esquerda, o Livre e o PAN. Esta coligação, que se poderia designar talvez como de uma Esquerda Verde (CEV), poderia ter concorrido já como tal em anteriores eleições. E é interessante verificar, em simulações feitas para os resultados de 2019 e de 2022, qual teria sido a consequência dessa potencial coligação na distribuição dos lugares de deputados, usando no exercício exactamente o mesmo número de votos obtidos e o mesmo método de Hondt aplicado aos actuais círculos eleitorais.

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Na figura, as distribuições de lugares verificadas em 2019 e 2022 correspondem aos círculos interiores e as distribuições que resultariam da existência da tal Coligação Esquerda Verde apresentam-se nos círculos exteriores. Em 2019 os partidos dessa potencial coligação somaram 36 votos, mas teriam ocupado 49 lugares se fossem coligados. O PS perderia 8 lugares, mas a maioria à esquerda sairia ainda mais reforçada. Em 2022 os partidos dessa hipotética coligação somaram no conjunto 13 deputados, mas em coligação teriam atingido os 22 lugares. E esse aumento, apesar de corresponder a uma diminuição de 6 lugares do PS, teria conduzido, por diminuição de deputados de partidos à direita, a algum reforço da maioria da esquerda. Mas talvez, ainda mais importante, por não resultar numa maioria absoluta do PS, pudesse ter conduzido a uma segunda vida da “geringonça” que, na minha perspectiva, teria sido melhor solução.

Este exercício mostra que coligações pré-eleitorais podem ser determinantes na solução governativa a jusante, e aquela que aqui se apresenta continua, quanto a mim, a ser, talvez agora ainda mais, uma boa opção. Esta opção, que aqui designaria por Esquerda Verde, permitiria a associação de partidos que convergem em diversas questões essenciais, desde a procura da justiça social tão cara à esquerda até às preocupações com as gerações vindouras no que respeita à conservação da natureza e ao ambiente tão caras aos partidos e movimentos verdes. E é apenas uma oportunidade de que os partidos mais pequenos não fiquem novamente tão prejudicados por um sistema eleitoral que limita a sua verdadeira representatividade nacional.

A criação de uma tal coligação, cuja representação parlamentar seria seguramente potenciada pelo simples facto de ser coligação, mas também pela novidade e dinâmica associada, poderia permitir constituir um forte parceiro governamental para um PS que dele bem necessita para uma maior consistência de uma possível segunda “geringonça” mais verde e mais equilibrada. Ainda não é tarde…

Pode ser que desta vez sejamos nós a aprender com os nossos vizinhos. Em Espanha a coligação Sumar, com composição semelhante e também com cerca de 12% dos votos, ganhou 31 dos 350 lugares, ainda assim aquém da sua representatividade proporcional, mas tornou-se uma componente essencial da solução governativa. Em Portugal, se quisermos manter a diferença, a coligação poderia acentuar a vantagem desta aritmética, e designar-se Somar+. Na verdade, “é só fazer as contas…”

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