“Parente pobre” da COP28, a adaptação encontra barreiras nas negociações e no financiamento

Enquanto países se desdobram em compromissos na área da transição energética, a adaptação às alterações climáticas tem estado longe da ribalta da COP28. Países em desenvolvimento alertam para riscos

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A adaptação da orla costeira é uma das dimensões da adaptação às alterações climáticas que Portugal tem que gerir Tiago Bernardo Lopes
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A adaptação parece ser, mais uma vez, o “parente pobre” nas negociações da cimeira do clima: pouco se tem ouvido falar do assunto nos discursos dos líderes ou na comunicação social, poucos compromissos foram assumidos durante a COP28 para o seu financiamento e são diversos os bloqueios relatados sobre o que se passa nas salas de negociação. “A falta de progresso na adaptação é profundamente preocupante. Finalmente há um texto com que os países podem trabalhar, mas ainda demasiado lentamente”, alertava Pratishtha Singh, analista de políticas internacionais da Climate Action Network (CAN) no Canadá, numa conferência de imprensa na manhã de quarta-feira.

“Muitos recursos e capital político foram direccionados para influenciar as negociações sobre perdas e danos, e isso de certa forma roubou a ribalta da adaptação”, explicou ao PÚBLICO Ana Mulio Alvarez, especialista do think tank E3G em negociações da UNFCCC.

“É óptimo que se tenha conseguido atenção para o fundo de perdas e danos este ano. Mas isso não deveria acontecer à custa da adaptação – e, infelizmente, foi o que aconteceu”, descreveu Alvarez, que tem assistido às reuniões sobre matérias de adaptação enquanto observadora. “O que vimos nos primeiros dias foi muito entusiasmo, mas depois chegou-se ao cerne das questões e começaram as discussões sobre o Fundo para a Adaptação, o Objectivo Global para a Adaptação e as decisões sobre os planos nacionais de adaptação”, explica.

Faltam metas para salvar vidas

Depois do avanço pífio alcançado na terça-feira, também o secretário-geral da convenção da ONU para as alterações climáticas, Simon Stiell, demonstrou preocupação, recordando a promessa de duplicar o financiamento da adaptação: “Agora temos de cumprir, incluindo os pormenores, e preparar-nos para ir muito mais longe”, alertou, em conferência de imprensa esta quarta-feira.

“Não podemos perder de vista o Objectivo Global para a Adaptação. Oito mil milhões de pessoas estão na linha da frente”, afirmou, recordando que actualmente apenas 50 países têm planos nacionais de adaptação.

A secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, que tem chefiado a delegação portuguesa na fase de negociações técnicas, relembra que é preciso, de facto, um equilíbrio entre os pilares da acção climática: mitigação, com medidas de redução de emissões; a adaptação, ou seja, a capacidade dos territórios de se adaptarem aos efeitos das alterações climáticas, e os meios de implementação – de concretização –, que incluem não apenas o financiamento (um dos grandes temas desta COP28), mas também a capacitação e a transferência tecnológica.

No que toca à adaptação, “naturalmente” que os países em desenvolvimento, muitos dos quais particularmente vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas, têm colocado ênfase no tema. “Ao contrário do que acontece na mitigação, para a adaptação não temos, neste momento, metas no sistema climático, números que nos permitam facilmente chegar a uma posição consensualizada, e isso traz dificuldades à mesa de negociação”, descreve a governante.

Lacuna na adaptação

Na segunda-feira, um conjunto de países ricos ofereceu 160 milhões de dólares em contribuições para o Fundo de Adaptação – apenas metade do objectivo de 300 milhões de dólares para este ano, destinado a projectos como defesas contra inundações e sistemas de alerta precoce.

Nas negociações da COP26 em Glasgow, há dois anos, o Fundo para a Adaptação tinha angariado um recorde de 356 milhões de dólares em novas contribuições – ou seja, mais do dobro do montante angariado até agora na COP28. Em Glasgow, os governos mais ricos também se comprometeram a duplicar o financiamento da adaptação para, pelo menos, 40 mil milhões de dólares por ano até 2025, mas desde então poucos progressos foram feitos.

Um relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP) lançado a poucas semanas da COP28 mostrou que o financiamento diminuiu quatro mil milhões de dólares entre 2020 e 2021, sendo que os custos e as necessidades anuais de adaptação previstos eram 10 a 18 vezes superiores ao financiamento efectivamente disponível em 2021.

Evitar as catástrofes

“Corremos o risco de permitir que a narrativa sobre perdas e danos afaste a importância que ainda é absolutamente necessária para a adaptação”, reforçou a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, numa conferência de imprensa esta semana. “O que queremos é evitar danos e perdas antes da catástrofe. É por isso que o financiamento da adaptação é fundamental”, afirmou.

A secretária de Estado Ana Fontoura Gouveia nota que medidas de conversão de dívida, como a que Portugal assinou com Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, podem entrar no mix de financiamento para ajudar os países em desenvolvimento a reunirem recursos necessários para tornar os seus territórios mais resilientes. Aqui também entram as discussões sobre a criação de impostos globais ou mesmo os mercados de carbono que permitam financiar políticas de adaptação – mas é nesta parte da conversa que os países em desenvolvimento recordam que é necessário investimento robusto e de longo prazo. “Precisamos de apoio substancial, não de peanuts”, afirmou Liane Schalatek, da Heinrich Böll Foundation, na conferência de imprensa diária organizada pela CAN Internacional.

“Até em Portugal gostamos mais da mitigação do que da adaptação, estamos a perder o equilíbrio”, nota ainda Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero. “Quanto dinheiro é que Portugal está a gastar em adaptação?” A pergunta é apenas retórica, já que Portugal tem um problema de falta de indicadores e de quantificação do investimento, relata. Dos milhões de euros previstos nos planos de orla costeira, exemplifica, “não está nada quantificado nem operacionalizado”.

Uma das dificuldades é que a adaptação envolve intervenções estruturantes, muitas vezes ligadas a investimentos que não têm retorno financeiro e são, por isso, pouco atraentes para investimento privado. “A adaptação é também o grande calcanhar de Aquiles de Portugal”, resume Francisco Ferreira.

O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul

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