Antes de matar a mosca

O algoritmo está a treinar-nos para sermos predadores ágeis e inconsequentes. Este cocktail de egocentrismo, impulsividade e click bait é o que cada vez mais se promove e repercute.

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"A primeira opinião que nos ocorre nem sempre (ou quase nunca) é a mais ponderada ou informada" Egor Kamelev/pexels
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Espanta-me a velocidade com que se comenta qualquer assunto. Sabemos que é nesta urgência que está montada a mecânica das redes sociais. A mesma urgência que torna possível que um post de um artigo de jornal com várias páginas tenha centenas de comentários em apenas segundos. Ninguém leu o artigo, mas lançam-se opiniões que gritam mais alto.

Eu já caí nesta armadilha muitas vezes. Acontece alguma coisa que gera notícia e lá vou eu, do alto dos dois segundos que tive para processar o acontecimento, emitir a minha opinião.

O problema é que a primeira opinião que nos ocorre nem sempre (ou quase nunca) é a mais ponderada ou informada.

Normalmente, se não se sabe de que se trata, porque é impossível aprofundar qualquer assunto em segundos, forma-se um ponto de vista com aquilo que já se tem. E o que já se tem são generalizações, preconceitos, ideias vagas. Temas com especificidades, contexto ou nuances deixam de os ter, na cegueira clubística de cada um. Bastam algumas palavras-chave aparecerem nas manchetes, que são imediatamente usadas para catalogar um acontecimento, e, consoante isso, julgá-lo em praça pública, independentemente das características específicas que apresenta. Nunca se tomou tanto a parte minúscula pelo todo.

O tempo de olhar antes de agir está a diminuir, a reacção dos dedos quer-se o mais imediata possível. E a impaciência está em níveis assustadores. Vídeos de dois minutos com algum tipo de explicação estão cheios de comentários de pessoas que pedem um resumo, alegando não ter paciência para ver tudo.

O algoritmo está a treinar-nos para sermos predadores ágeis e inconsequentes. Este cocktail de egocentrismo, impulsividade e click bait é o que cada vez mais se promove e repercute.

A este propósito, lembro-me de um episódio que John Berger conta num livro. Conta ele que Chaplin e a sua equipa de filmagens discutiam acerca do enredo de um filme, em estúdio, e que havia uma mosca que estava sempre a importuná-los e a distraí-los. Chaplin pediu um mata-moscas para a matar e não conseguiu. Pouco tempo depois, a mosca pousou numa mesa mesmo ao seu lado. Ele pegou no mata-moscas para lhe acertar mas, imediatamente antes de o fazer, parou, desistiu e pousou o mata-moscas. Os outros perguntaram-lhe “Então, porquê?” Ao que Chaplin respondeu: “Não era a mesma mosca.”

Esta história é cómica mas serve de ilustração para o que nos falta fazer, tantas vezes.

Antes de partirmos para matar, é importante pousar o mata-moscas, olhar, analisar, e verificar se é a mesma mosca.

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