Morreu Kevin “Geordie” Walker, o homem que nasceu para ser guitarrista dos Killing Joke

Imprescindível para o som dos Killing Joke, ganhou a admiração de músicos como James Hetfield, Jimmy Page ou Kevin Shields. A morte chegou na sequência de um AVC, aos 64 anos.

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Kevin “Geordie” Walker no Hellfest 2022, em Clisson, França Tilly Antoine/Wikimedia Commons images
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A singularidade da sua forma de expressão, ou seja, da sua marca nas seis cordas de uma guitarra, pode ser aferida ao constatarmos quão diferentes musicalmente eram aqueles que mostraram a sua admiração ao longo dos anos: James Hetfield, dos Metallica, Jimmy Page, dos Led Zeppelin, Kevin Shields, dos My Bloody Valentine, Duff McKagan dos Guns N’Roses. Todos eles eram fãs de Kevin “Geordie” Walker, guitarrista de sempre dos Killing Joke, o único membro, juntamente com o vocalista Jaz Coleman, a atravessar toda a carreira da banda, desde o final dos anos 1970 até ao presente. Todos estarão agora a prestar-lhe o tributo devido. Walker morreu este domingo em Praga, na República Checa, onde residia, na sequência de um acidente vascular cerebral. Tinha 64 anos.

“É com profunda tristeza que confirmamos que, às 6h30 do dia 26 de Novembro de 2023, em Praga, o lendário guitarrista dos Killing Joke, Kevin 'Geordie' Walker, faleceu, rodeado pela família, após sofrer um AVC. Estamos desolados. Descansa em paz, irmão", escreveu a banda em comunicado reproduzido nas suas redes sociais.

Pode-se dizer, exagerando uma verdade, que Kevin “Geordie” Walker apareceu no mundo para ser guitarrista dos Killing Joke. Nascido a 18 de Dezembro de 1958 em Chester-Le-Street, Durham, no nordeste de Inglaterra, cedo mostrou uma obsessão pela guitarra, fechando-se no seu quarto, à chegada da escola, para ensaiar durante longas horas, procurando conhecer melhor o instrumento, aprimorar a técnica, desvendar as possibilidades sónicas que encerrava.

Talvez por isso, quando já se mudara para Londres para estudar arquitectura, ganhando a alcunha “Geordie” devido ao sotaque trazido do norte inglês, ao responder repetidamente a um anúncio dos futuros colegas de banda Jaz Coleman e Paul Ferguson (baterista), assinalava que nunca tivera qualquer banda, que nunca tocara em qualquer outro sítio além do quarto de casa dos pais, mas, confiante, garantia que nada havia a temer, era o melhor guitarrista do mundo. Era, certamente, o melhor para os Killing Joke, determinante para a banda que marcou a cena independente dos anos 1980 numa curiosa intersecção entre ritmos dançáveis pós-punk, peso de riffs hard-rock, sugestões góticas e synth-rock.

"Como fogo vindo dos céus"

O seu trabalho na guitarra, ora agreste e agressivo, ora texturado e trabalhado em camadas, era um elemento essencial da banda e apelava tanto a metaleiros em formação como a shogazers por vir. Era ouvido pelos futuros membros dos Nirvana (Dave Grohl integrou até a banda no início dos anos 2000) e pelos dos Nine Inch Nails, tocava tanto os membros dos Faith No More (chegou a fazer uma audição para a banda, nos anos 1990, mas esta sentiu-se pequena perante o seu peso e estatuto) como um certo James Murphy, o homem que criaria os LCD Soundsystem, banda que aprimorou à perfeição a síntese entre ritmos disco-funk e ataque pós-punk.

Como referência, é habitualmente apontado o nome de John McKay, o guitarrista original de Siouxsie & The Banshees, mas o som de Kevin “Geordie” Walker fundou-se na procura individual de uma ideia de som, apoiada naquela que, depois de uma Gibson Les Paul oferecida pela mãe aos 15 anos, se tornou a sua guitarra de sempre, uma Gibson ES-295 dourada.

”Quando encontras uma coisa na qual te consegues exprimir da melhor forma – uma coisa que é completamente o teu som —, porque é que haverias de usar qualquer outra?”, assim comentou a escolha da guitarra que não mais abandonou, citado no obituário que lhe é dedicado pelo Guardian. Jaz Coleman descreveu da seguinte forma a primeira vez que ouviu Walker tocar guitarra: “como fogo vindo dos céus”.

Membro da banda desde a fundação, acompanhou o período inicial, após a edição do homónimo álbum de estreia, em 1980, em que os Killing Joke se afirmaram como nome de culto crescente no cenário pós-punk (e no gótico e no industrial), viveu com a banda os momentos de estrelato a partir de meados da década de 80, depois da edição do álbum Night Time (1985) e de singles como Love like blood.

Em 1992 criou os Murder, Inc., banda de rock industrial que reunia músicos associados aos Killing Joke, aos PiL e aos Ministry, quatro anos depois encontrávamo-lo nos Damage Manual – quase a mesma formação dos Murder, Inc., mas com Jah Wooble como baixista. Voltaria sempre a casa, à sua primeira banda, àquela a que se dedicou ininterruptamente desde 1978, os Killing Joke.

O mais recente álbum da banda, Pylon, saiu em 2015. No palco, actividade ininterrupta. Em Março, encerraram um pequena digressão inglesa com um concerto no Royal Albert Hall, cenário imponente para o ouvir pela última vez com os Killing Joke, para ouvir, recuperemos palavras de Kevin Shields, aquela “forma de tocar sem esforço que produz um som monstruoso”.

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