Pneumonias na China são “um regresso aos padrões da era pré-pandémica”

Doenças respiratórias na China vêm do levantamento das medidas contra a covid-19 numa população infantil com pouca imunidade. Parece uma história de 2020? Na verdade, é um regresso à pré-pandemia.

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Francisco Antunes, infecciologista do Instituto da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Nuno Ferreira Santos
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São imagens que temos a sensação de ter visto (e depois vivido) há menos de quatro anos: os hospitais chineses, sobretudo no norte do país, com os serviços de urgência apinhados de pessoas — a maior parte delas crianças — com sintomas respiratórios, lançaram um mundo para uma espécie de dejà vu de "pneumonias não diagnosticadas". Será este o início de uma nova pandemia?

"Não quero garantir que, de hoje para amanhã, não aparece uma", ressalvou em entrevista ao PÚBLICO o infecciologista Francisco Antunes, do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Mas "podemos estar descansados por enquanto": nada aponta para o surgimento de uma pandemia causada por agente patogénico desconhecido na China.

Quão preocupados devemos estar com o que está a acontecer na China?
Esta actividade não se verificava há cerca de três anos e está a afectar sobretudo as crianças. Isto dá uma certa tranquilidade em relação a algum novo agente patogénico. Se fosse qualquer coisa nova, atingia a população em geral, não só as crianças. A China também já confirmou que não tinha isolado qualquer outro agente para além dos que já são conhecidos.

A intervenção da OMS é um sinal de alerta?
Não. Tem-se pedido aos países para alertar a Organização Mundial de Saúde para surtos de doenças que se possam propagar e é apenas neste contexto que se pediu à China um esclarecimento sobre esta actividade. As próprias autoridades chinesas reportaram estes casos.

Então o que está na origem deste volume de casos de doenças respiratórias?
Trata-se de infecções com o vírus da gripe, o vírus sincicial respiratório, os vírus que causam infecções respiratórias como a bronquite, o adenovírus; e, alguns casos, a bactéria Mycoplasma pneumoniae, que é relativamente frequente e que atinge particularmente as crianças.

Porque é que há tantos casos e sobretudo entre as crianças?
Já se pensava que estas ondas de doença respiratória fossem ser consideráveis na China. As restrições por causa da covid-19 prolongaram-se por mais um ano em relação à generalidade dos países. Neste momento, as crianças com menos de quatro anos praticamente não têm imunidade para estes vírus. As doenças apareceram em força no país, porque há uma perda da imunidade, em particular nas crianças que nasceram e passaram os primeiros anos da infância em confinamento.

O que se sabe sobre os casos?
As autoridades chinesas reportaram que a actividade destes vírus está a começar mais cedo do que é habitual em relação aos anos pré-pandémicos. Disseram também que os quadros clínicos dos doentes são os habituais.

Aconteceu o mesmo quando o resto do mundo desconfinou?
Em alguns países, o vírus sincicial respiratório assoberbou os sistemas de saúde. Houve ondas de infecções e de hospitalizações em crianças durante o primeiro inverno após o levantamento das medidas. Na América do Norte, em 2022/2023 a época gripal foi muito activa e precoce. Aquilo que parece estar a acontecer é um regresso aos padrões da era pré-pandémica das doenças respiratórias.

O caso da China diz-nos alguma coisa do que vai ser o Inverno em Portugal?
O que pode sinalizar o que vai acontecer é o último Inverno do hemisfério Sul — e registaram-se algumas parecenças com a China. Provavelmente, estas doenças respiratórias serão mais precoces em relação à pré-pandemia. Mas tudo depende da temperatura, dos vírus e do comportamento das pessoas.

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