Obrigada, Sara, por tanta coisa bonita

Ninguém registou que as vitórias musicais retumbantes da Sara, eram também vitórias no reconhecimento da nossa humanidade.

Ouça este artigo
00:00
03:49

Quando a Sara Tavares cantou e venceu o Chuva de Estrelas e o Festival da Canção, todas as miúdas negras da periferia de Lisboa e desse Portugal fora ganharam com ela. Corriam os anos de 1993 e 1994, fazíamos parte da primeira geração negra do pós-25 de Abril. Isso significava, ao mesmo tempo, uma pesadíssima herança colonial e uma pequena fissura por onde alguma mudança poderia entrar. Então, naquelas noites em que a Sara invadiu a partir da TV as salas de jantar, cafés e restaurantes deste país; naqueles momentos em que a voz cristalina de um ser genial chamado Sara “abafou” todo e qualquer adversário; então, naqueles breves minutos, deixámos de ser mandadas para a “nossa terra”, porque subitamente éramos daqui; deixámos de ser as “pretas da Guiné que lavavam a cara com chulé”, as “barrote queimado”, as “macacas” que cheiravam a “catinga”. Nunca saberemos o número de meninas negras que imitavam a Whitney Houston na cozinha, no quarto e sentadas nos muros da sua rua perante uma audiência imaginada e que, com a vitória da Sara, viram o horizonte ficar mais largo. Ninguém registou que as vitórias musicais retumbantes da Sara eram também vitórias no reconhecimento da nossa humanidade. Naquelas noites, o velho Portugal tinha-se vergado e rendido, mesmo que por poucos minutos.

Os leitores são a força e a vida do jornal

O contributo do PÚBLICO para a vida democrática e cívica do país reside na força da relação que estabelece com os seus leitores.Para continuar a ler este artigo assine o PÚBLICO.Ligue - nos através do 808 200 095 ou envie-nos um email para assinaturas.online@publico.pt.
Sugerir correcção
Ler 32 comentários