Arquitectura e construção sustentável não são uma alternativa, são uma “necessidade”

Uma indústria de construção mais sustentável é possível e necessária. No evento +Concreta, dias 16 e 17 de Novembro no Porto, é discutido qual o caminho para a descarbonização do sector.

Foto
O sector da construção é um dos principais emissores de CO2 tiago lopes
Ouça este artigo
00:00
05:29

O sector da construção é um dos mais poluentes pelas matérias-primas que utiliza, provenientes do petróleo, e pelos processos químicos envolvidos na sua produção, que são extremamente nocivos para o meio ambiente — como é o caso do cimento. E é nesse contexto que surge o Caderno de Encargos Livre de Petróleo, um guia promovido pelo Portugal de Arquitectura e de Construção Sustentável que tenta perceber quais as alternativas viáveis “aos materiais de construção que têm por base substâncias poluentes”, explica Aline Guerreiro, fundadora do portal.

“Na construção, há materiais que é quase impossível serem substituídos, como o betão, por questões relacionadas com a durabilidade”, refere. Contudo, existem outros componentes na construção que podem ser substituídos por materiais mais ecológicos e que, além disso, “podem até ser melhores opções”, salienta a arquitecta.

O Caderno de Encargos Livre de Petróleo, que será apresentado no evento de arquitectura +Concreta, elenca várias alternativas, de revestimentos a caixilharias, com materiais provenientes da natureza e “ambientalmente mais correctos”.

Aline Guerreiro dá alguns exemplos: o primeiro, a cortiça enquanto revestimento: “Em termos de isolamento tem um óptimo comportamento térmico, é nacional e 100% renovável”, explica. Ademais, isolar um edifício com cortiça garante que “daqui por 50 anos está isolado da mesma forma”, ao contrário do que acontece com os materiais como o EPS (poliestireno expandido), proveniente de combustíveis fósseis, “que é cheio de ar”. “Daqui por uns anos é como se a casa não tivesse isolamento”, comenta.

“O importante é evitar o aterro”

Este “guia de boas práticas” para a construção sustentável pode ser consultado por profissionais da área, mas também pela sociedade civil. A informação técnica está escrita de uma forma “acessível a todos”, declara a arquitecta.

Todos os materiais apresentados no documento têm informações sobre a forma como foram extraídos, como são produzidos, quais as suas características técnicas e “no fim da sua vida útil, o que pode ser feito com eles”, acrescenta Aline Guerreiro. Todos os materiais (e edifícios) têm um ciclo de vida útil e é importante reciclá-los ou reutilizá-los para se “evitar o aterro”.

“O importante é evitar o aterro”, reforça a arquitecta. E, mesmo materiais que não são tão sustentáveis podem (e devem) ser reutilizados: “O betão partido, por exemplo, pode funcionar como material de enchimento”, exemplifica.

No caso “de uma pessoa que queira fazer remodelações em casa”, há escolhas sustentáveis que podem ter impactos positivos tanto na casa como no meio ambiente. “A primeira coisa a fazer é informar-se sobre que materiais amigos do ambiente pode utilizar” e tentar sempre “dar outro uso” aos componentes que já se encontram no edifício. Não sendo possível incluir os materiais antigos na remodelação, “o ideal é inseri-los numa outra obra”, destaca a arquitecta, “doar a uma junta de freguesia que precise de fazer uma remodelação”, por exemplo.

Uma “construção consciente”

O Caderno de Encargos Livre de Petróleo é apresentado no âmbito da feira de arquitectura +Concreta. O evento, que decorre nos dias 16 e 17 de Novembro, é dedicado a arquitectos, designers, engenheiros civis e outros profissionais do sector da construção. Para esta primeira edição o mote escolhido foi “o futuro é ecológico” e Diogo Aguiar, arquitecto e curador da iniciativa, acrescenta que assim é porque “não há alternativa”.

Ao PÚBLICO, o arquitecto e professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, confessa que “em pleno 2023 é necessário ter consciência de que o sector da construção é um dos principais emissores de CO2” e, por isso, “uma das indústrias mais responsáveis pela pegada de carbono”, esclarece. Atendendo à emergência climática, a construção ecológica não é só uma alternativa, mas uma “necessidade”.

O evento pretende dar uma oportunidade às mais de 50 empresas que estão presentes para demonstrar que passos estão a dar em direcção à sustentabilidade. Da construção ao design, o enfoque são os “fabricantes portugueses”, destaca Diogo Aguiar. Dos projectos expostos, existem iniciativa inovadoras como os Ecoblocos, da empresa Cânhamor, feitos de aparas de cânhamo ou os revestimentos do Studio8, feitos a partir de resíduos de construção e demolição (RCDs).

Para o arquitecto, a construção sustentável é uma “construção consciente”. O caminho passa por uma “alteração de paradigma”, considera. “Obviamente que existem materiais mais ecológicos que outros, mas não acredito que estejamos perante uma mudança radical em que deixamos de usar determinados materiais para usar unicamente outros”, explica o arquitecto.

O importante, segundo Diogo Aguiar, é analisar como, numa construção, cada um dos componentes pode “ter uma postura mais ecológica”, mas também “abandonar a lógica de crescimento infinito” e passar para um “comércio justo, consciente e de proximidade” tendo em atenção o impacto que o sector da construção tem nos vários “ecossistemas com que dialoga”, afirma.

Tanto para Aline Guerreiro como para Diogo Aguiar a construção sustentável é possível e já existem países a fazê-lo. A fundadora do Portal para a Arquitectura e Construção Sustentável destaca países como a Dinamarca “onde já existem edifícios construídos só com materiais reciclados”. Diogo Aguiar avança que, em muitos países europeus, “os projectos públicos têm de recorrer a sistemas construtivos ecológicos, como a construção em madeira”.

Para ambos, a descarbonização do sector é possível. No entanto, é necessária a mudança de paradigma e, como destaca Aline Guerreiro, “uma mudança em termos de legislação, visto não existir regulamentos específicos para a construção sustentável”.

Texto editado por Claudia Carvalho Silva

Sugerir correcção
Ler 1 comentários