O pirata triste

Eles estão imóveis, de plantão, como beatas à volta de um altar; mas o altar é um insuflável onde crianças de meias emitem sons que dificilmente se percebe se são de êxtase ou de dor.

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"Passados alguns minutos, chega um pirata com a promessa de fazer balões com formas" Allan Mas/pexels
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Às 14:30 saímos de casa. Penteio-as, procuro dar a volta aos pedidos para usar collants cor-de-rosa choque com vestidos cor-de-laranja da Minnie, acalmo as birras com a promessa de diversão em casa alheia, procuro no convite a localização, ponho música do Panda para ir entrando no transe das festas infantis, e chegamos.

Cumprimento os outros pais com o nervosismo de adolescente em baile de finalistas.

Eles estão imóveis, de plantão, como beatas à volta de um altar; mas o altar é um insuflável onde crianças de meias emitem sons que dificilmente se percebe se são de êxtase ou de dor.

Penso que eles talvez estejam a rezar, como eu, para que alguma criança ponha a cabeça de fora da janelinha de borracha e lhes peça um croquete, para se sentirem úteis.

Alguns minutos se passam em que apenas nos entreolhamos, com o sorriso benevolente de pais de crianças pequenas.

Não havendo o desejado pedido de croquete, ponho eu a cabeça dentro do insuflável e chamo várias vezes, até que uma delas, entre pulos eufóricos, se digna a responder um sim desinteressado, que é mais do que suficiente para eu encarar a missão. Avanço até à mesa dos acepipes com a determinação de uma enfermeira que procura um bisturi fundamental, pego no croquete e levo-lho, regressando então ao meu posto.

Passados alguns minutos, chega um pirata com a promessa de fazer balões com formas. As crianças dispõem-se à sua volta e fazem solicitações, entre tosses e um inquérito desconfiado sobre as funções que um pirata exerce.

Pergunto à mãe da aniversariante se precisa de ajuda, em parte porque seria bom ter uma função, e em parte aterrorizada, como sempre fico nestas ocasiões, com a hipótese de alguém me pedir para cortar um tomate e se aperceber da minha inaptidão para essa tarefa. Imagino-a a olhar para o tomate desfeito, num julgamento de sogra triunfante, e a consequente expulsão da minha pessoa do clube das mães.

As crianças, entretanto, de espadas e flores em riste, abandonam o pirata, e vão descarregar a adrenalina do açúcar numa pinhata em forma de dromedário.

Fico cheia de pena do pirata abandonado, que agora está a fazer um truque de magia a uma mãe que não pára de consultar o relógio.

Vejo também as horas e constato que se passou pouco tempo. Começo a arrepender-me de não ter aceitado a cerveja que o pai ofereceu no início e a pensar onde me poderei sentar. De um lado, crianças eléctricas, de outro, pais estáticos. Oscilo entre os dois grupos, que me parecem igualmente intimidatórios.

Acabo por parar perto do pirata triste, que levanta os olhos cabisbaixos e me diz, em jeito de justificar a solidão: “É difícil competir com um insuflável.”

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