Exposição de Ai Weiwei suspensa por causa de tweet sobre Israel

A Lisson Gallery de Londres decidiu anular a exposição que devia abrir esta quarta-feira devido a um comentário do artista acerca da relação entre Israel e os Estados Unidos, entretanto despublicado.

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Ai Weiwei fotografado em Montemor-o-Novo PEDRO NUNES
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A exposição de Ai Weiwei que devia abrir as suas portas esta quarta-feira na Lisson Gallery de Londres já não se realizará. O artista e activista chinês escreveu um tweet na rede social X (antigo Twitter) sobre a relação especial entre Israel e os Estados Unidos, que entretanto apagou, o que levou a galeria a "suspender por tempo indeterminado" a abertura da exposição. No documentário Human Flow, de 2017, sobre a crise dos refugiados, Ai Weiwei apresentava imagens filmadas em Gaza.

Um porta-voz da Lisson Gallery disse ao jornal The Art Newspaper, o primeiro a noticiar esta súbita alteração de planos, que ainda estava em cima da mesa um eventual reagendamento. Por sua vez, o artista confirmou a esta publicação especializada que a exposição foi “efectivamente [cancelada]” e explicou ter concordado com a decisão "para evitar mais disputas”, e em nome do seu “próprio bem-estar".

Segundo o site ArtAsiaPacific, a exposição que deveria ser inaugurada esta quarta-feira intitulava-se Bricks as Mortars e incluía obras inéditas como To Keep a Person Ignorant is to Put them in a Cage (2023), um retrato em Lego do fundador da WikiLeaks, Julian Assange. “Esta imagem emblemática, o seu título e a exposição no seu conjunto, todos eles pretendem fazer uma reflexão sobre as lutas reais e actuais entre o eu e o Estado, o original e a cópia, a informação e a conspiração, a pintura e o pixel", explicava-se no comunicado de imprensa.

Quem agora visita o site oficial de Weiwei é recebido pela frase: “Expressar-se faz parte da condição humana. Ser-se privado de ter uma voz é dizerem-nos que não somos um interveniente da sociedade; em última análise, é uma negação da nossa humanidade.”

Explica o The Art Newspaper que foi em resposta a um seguidor que Ai Weiwei publicou o tweet que levou ao cancelamento. A declaração em causa dizia, segundo esta publicação: “O sentimento de culpa em relação à perseguição do povo judeu tem sido, por vezes, usado para neutralizar o mundo árabe. Financeiramente, culturalmente e em termos de influência mediática, a comunidade judaica tem tido uma presença significativa nos Estados Unidos. O pacote anual de ajuda a Israel, no valor de três mil milhões de dólares, é, desde há décadas, considerado como um dos investimentos mais avultados que os Estados Unidos alguma vez fizeram. Esta parceria é frequentemente descrita como uma parceria fundada num destino partilhado."

Em comunicado, citado por outra publicação especializada em notícias do mundo da arte, o site The Artnews, a Lisson refere que "após longas conversas com Ai Weiwei, na sequência de um comentário que ele publicou online”, as duas partes concordaram “que não é a altura certa” para apresentar os novos trabalhos do artista. “Não há lugar para um debate que possa ser caracterizado como anti-semita ou islamofóbico numa altura em que todos os esforços devem ser canalizados para pôr fim ao trágico sofrimento nos territórios israelita e palestiniano, bem como nas comunidades internacionais. Ai Weiwei é conhecido pelo seu apoio à liberdade de expressão e por defender os oprimidos, e nós respeitamos profundamente e valorizamos a nossa relação de longa data com ele", acrescenta esta influentíssima galeria de arte contemporânea com ramificações em Londres, Nova Iorque, Los Angeles, Xangai e Pequim.

"As vozes de inúmeros escritores, artistas e pessoas que enfrentam situações de vida difíceis são muitas vezes o raio de luz que torna a escuridão menos assustadora. Talvez eu esteja a falar de mais aqui. O que estou a dizer não é importante", respondeu por sua vez Ai Weiwei ao The Art Newspaper. O artista, que actualmente vive em Montemor-o-Novo e que este ano foi o director do PÚBLICO por um dia, considerou ainda que "o cancelamento de uma exposição não tem qualquer importância, porque milhares e dezenas de milhares de exposições continuam a decorrer". E rematou: "O facto de eu existir ou não também não é importante, porque haverá sempre alguém que quer procurar a luz e a alegria que a luz traz à vida, uma vez que as pessoas não gostam da escuridão."

O artista tem neste momento uma exposição na Galerie Neugerriemschneider, em Berlim, e outra no Kunsthal Rotterdam, nos Países Baixos, lembra o The Artnews.

São sobejamente conhecidas as posições políticas de Ai Weiwei, que foi perseguido no seu país, de onde saiu em 2015, e é um defensor dos direitos humanos e da liberdade de expressão. Para ele, como afirmou depois desta polémica, podemos e devemos expressar todo o tipo de opiniões, mesmo as "incorrectas". Na sua visão, aliás as posições incorrectas devem ser especialmente encorajadas. "Se a liberdade de expressão for limitada ao mesmo tipo de opiniões, torna-se numa prisão da expressão", disse ainda ao The Art Newspaper.

Protestos e manifestações

O reacender do conflito israelo-palestiniano não está a passar ao lado do campo artístico. Logo em Outubro, aquele que era o editor-chefe da revista de arte contemporânea Artforum, David Velasco, foi afastado do cargo por ter aceitado publicar uma carta aberta em que se apelava à libertação dos palestinianos e a um cessar-fogo imediato em Gaza. A carta foi criticada por não fazer menção ao massacre de 7 de Outubro, em que o Hamas vitimou mais de um milhar de pessoas numa incursão em território israelita. Outros quatro editores da publicação demitiram-se indignados com a direcção.

Também a Feira do Livro de Frankfurt se viu envolvida numa polémica depois de o seu director, Juergen Boos​, ter decidido adiar a entrega do prémio literário LiBeraturpreis à escritora palestiniana Adania Shibli, autora do livro Um Detalhe Menor (Dom Quixote, 2022).​

Entretanto, esta segunda-feira, durante a cerimónia de entrega de um prestigiado prémio literário canadiano, o Scotiabank Giller, manifestantes subiram ao palco com cartazes que acusam o Scotiabank​​ de "financiar o genocídio”, aludindo à participação do banco como accionista da empresa de materiais de defesa Elbit Systems, com sede em Israel.

O jornal The Guardian noticiou também que na terça-feira uma dúzia de cineastas e de artistas retirou as suas obras do Festival Internacional de Documentários de Amesterdão depois de os organizadores terem condenado a utilização da frase “Do rio ao mar, a Palestina será livre” num cartaz que três activistas utilizaram num protesto na sessão de abertura.

Como explica o jornal britânico, esta frase é uma "referência à terra que fica entre o rio Jordão, que faz fronteira com o leste de Israel, e o Mar Mediterrâneo, a oeste, e foi também usada na constituição do grupo radical islâmico Hamas em 2017". Nos Países Baixos, o uso desta expressão é permitido, em defesa da liberdade de expressão, embora na Alemanha a frase seja considerada uma marca do Hamas e agora considerada uma ofensa criminal semelhante à exibição em público da suástica.

Em França, uma marcha silenciosa deverá marcar as ruas de Paris no próximo domingo. Foi convocada pelo colectivo Une autre voix, presidido pela actriz Lubna Azabal, e tem o apoio de mais 500 personalidades da cultura, como noticia o jornal Libération. Apela à união numa marcha “silenciosa, unida, humanista e pacífica”, sob o signo de uma bandeira branca. Nomes como o cineasta Claude Lelouch ou a escritora Leïla Slimani estão entre os apoiantes desta iniciativa.

Em Berlim, as grandes instituições de música clássica juntaram-se para denunciar o ressurgimento do anti-semitismo na Alemanha, publicando uma carta conjunta no site oficial da Orquestra Filarmónica de Berlim e organizando um concerto solidário intitulado “Contra o silêncio. Contra o anti-semitismo”, marcado para 27 de Novembro no Berliner Ensemble, noticia o Le Figaro.

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